É preciso ver o surto com um olhar ecológico e preservar os hábitats e espécies nativas.
Até o final de março deste ano, o Ministério da Saúde confirmou 187 casos de óbitos em humanos causados pela febre amarela. No mesmo período, 4.240 mortes de macacos foram confirmadas e associadas à febre amarela no Brasil, só no Espírito Santo já foram cerca de 1.200. A situação também é grave em Minas Gerais e há registros de mortes de macacos confirmadas para a febre em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Goiás, Distrito Federal, Pará e Roraima. Considerado um desastre ambiental grave, esse surto representa uma das maiores mortandades de primatas da história da Mata Atlântica.
Apesar de ocorrer ciclicamente no Brasil, geralmente nas estações mais quentes, a febre amarela avançou de forma nunca antes vista. Sua chegada ao litoral do país é algo considerado inédito e que pode acarretar perdas irreparáveis. Em contato com o vírus, os bugios (Alouatta guariba) morrem em massa, mas não são os únicos. Espécies como o sauá (Callicebus personatus), os saguis do gênero Callithrix e os macacos-pregos (Supajus sp) também foram afetadas. O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), maior primata das Américas e criticamente em perigo de extinção, também corre riscos. A chegada da febre amarela à região de Casimiro de Abreu, no Rio de Janeiro, acende um novo sinal de alerta. O local é o último refúgio do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), que sofreu com o desmatamento e o tráfico de animais, e agora enfrenta um novo inimigo invisível e mortal.
Apesar de a doença que aflige homens e primatas ser a mesma, há dois tipos de ciclos: o silvestre e o urbano. A diferença está no transmissor: o ciclo silvestre é transmitido por dois tipos de mosquito (dos gêneros Haemagogus e Sabethes) restritos à área de florestas. O ciclo urbano é causado pelo velho conhecido Aedes aegypti, transmissor também de viroses como dengue, chikungunya e zika. O ciclo urbano pode se estabelecer caso uma pessoa não imunizada se contamine numa área de floresta e depois seja picada na cidade pelo Aedes aegypti e este vier a se infectar. Os macacos, evidentemente, são apenas vítimas da doença, e não seus transmissores.
O alerta e o controle do surto atual foram extremamente tardios e antiquados para todos os envolvidos. Houve descaso com relação às primeiras mortes de macacos reportadas em Montes Claros, Minas Gerais, e somente quando centenas deles estavam morrendo no leste de Minas Gerais é que se decidiu tomar alguma atitude.
No Rio de Janeiro, houve um bloqueio vacinal nas fronteiras do estado, o que simplesmente não funciona. Além de não impedir o surto silvestre, já que macacos não participam da vacinação, também não resolve o surto urbano, pois pessoas vão e vêm de diferentes áreas a todo momento. É impossível lidar com situações inéditas como essa utilizando métodos que já eram duvidosos há quase um século.
É preciso ver o surto com um olhar ecológico, além da preocupação com a saúde humana. Para controlar a febre amarela, é preciso, necessariamente, preservar os hábitats e suas espécies nativas. Desflorestar e matar macacos não impede a circulação do vírus da doença e pode até piorar a situação.
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