UE mira troca de cidadania por investimento em Portugal

Concessão de vistos gold é ‘prostituição’ da cidadania europeia, diz eurodeputada.

A vice-presidente da recém-criada Comissão sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu (PE), eurodeputada Ana Gomes (Partido Socialista-PS), disse que a concessão dos vistos de residência gold em Portugal representa a “prostituição” da cidadania europeia e do Espaço Schengen, acordo que permite a livre circulação entre 26 países da Europa.

O relatório a ser elaborado pela sua equipe ao fim dos 12 meses de trabalho da Comissão, criada em março, poderá sugerir o fim dos vistos tipo gold em toda a Europa, tendo em vista que o sistema pode abrir brechas aos crimes financeiros.

Em Portugal, os brasileiros foram beneficiados com 451 vistos, atrás apenas dos chineses, que receberam 3.544 concessões desde o início do programa criado em 2012 para amenizar os efeitos da crise econômica. Para ter acesso ao sistema na modalidade mais procurada é preciso adquirir imóvel de no mínimo € 500 mil (mais de R$ 2 milhões). Após seis anos, os beneficiados podem obter a cidadania portuguesa.

Entre os possíveis beneficiados pela concessão de vistos dourados de Portugal há ao menos três réus da operação Lava Jato, segundo reportagens de setembro de 2017 do jornal britânico “The Guardian”. Otávio Azevedo, ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez, teria adquirido imóvel no valor de € 1,5 milhão. Acionista da mesma empresa, Sérgio Lins Andrade teria comprado imóvel por € 665 mil. Pedro Novis, ex-presidente da Odebrecht, também teria supostamente comprado um imóvel. As transações teriam ocorrido em 2014, ano do início da Lava Jato.

Isto tem é que pura e simplesmente acabar. A única transparência possível é haver um sistema de concessão política, com base na análise das contribuições de pessoas com ligação com Portugal, que vivem efetivamente em Portugal. Não pode implicar um esquema de prostituição, digamos, da cidadania europeia e da cidadania de qualquer estado membro da União Europeia. Isto é que está em caso. É uma prostituição do sistema Schengen e da cidadania dos vários Estados-membros da UE que o praticam — criticou Ana Gomes.

A eurodeputada usou o exemplo dos casos dos vistos que teriam supostamente sido concedidos aos réus da Lava Jato para evidenciar possíveis falhas nos procedimentos de verificação e controle da transparência.

Os casos brasileiros encontrados e já expostos são a demonstração de que as obrigações de due diligence (processo de investigação de possíveis investidores) por parte das imobiliárias, bancos e advogados não foram feitas. Sem falar nas próprias autoridades da administração portuguesa. Portanto, aí tem a demonstração que realmente a due diligence não é feita em violação às diretivas europeias contra a lavagem de dinheiro – disse Ana Gomes.

Ana Gomes pretende investigar os demais beneficiados do Brasil e espera contar com a colaboração das autoridades nacionais durante o processo. Os brasileiros já são os que mais compram casas em Lisboa e Porto, ultrapassando franceses, que se concentram no Algarve. Segundo o Imovirtual, site português de venda e compra de imóveis, o Brasil é o país de origem da maior parte das pesquisas no site, que teve 1,5 milhão de visitas neste ano. São Paulo (30%), Rio de Janeiro (25%) e Minas Gerais (7,5%) são os estados de onde parte a maior procura, enquanto Lisboa, Braga, Porto e Vila Nova de Gaia são os destinos preferidos.

Se me derem dados concretos, eu gostaria muito de ter acesso a esta lista de 451 cidadãos brasileiros. Saber quem eles são. Muitos, eu poderei saber, outros, só com ajuda dos parceiros brasileiros. Isso seria muito útil e estou à disposição para colaborar com autoridades policiais, judiciárias, parlamentares ou da sociedade civil — disse a eurodeputada.

Fonte: Jornal O Globo

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