O sofrimento pelo qual passou a vítima revoltou os moradores do bairro da Lagoa.
O sepultamento pelas mãos dos próprios filhos foi apenas o último de uma série de descasos da qual a dona de casa Ana Maria da Silva Oliveira, que tinha 46 anos, foi vítima no fim de sua vida. Chefe de uma família com sete filhos e quatro netos, ela esteve internada por quatro dias no Hospital municipal de Magé, onde, de acordo com os familiares, não recebeu tratamento adequado e chegou a receber alta indevidamente.
O sofrimento pelo qual passou a vítima revoltou os moradores do bairro da Lagoa, onde ela morava. Descrita como uma pessoa alegre e dedicada à família, Ana Maria passou mal na sexta-feira, dia 12 de março, e procurou a unidade municipal de saúde. Com uma infecção urinária grave, ela até foi internada, mas recebeu alta no domingo.
Segundo Lucilene Oliveira, filha de Ana Maria, a mulher se recusou a ir embora e ficou horas deitada no estacionamento do hospital, até que foi internada novamente e ficou na unidade até morrer, na última terça-feira à noite.
Foi uma covardia. A enfermeira me disse que ela estava com infecção na urina, com o pulmão todo tomado. Fizeram dois testes de Covid que disseram ter dado negativo. Aí, no domingo, colocaram ela para fora mesmo cuspindo sangue. Ela forrou uma camisa no chão do estacionamento e deitou ali até que internaram de novo. Na terça, me ligaram e nem me chamaram lá, já disseram direto: “Sua mãe morreu”. No hospital, falaram que deram choque, tentaram reanimação e entubação, mas não conseguiram – conta Lucilene, emocionada.
Responsável pela gravação do vídeo que viralizou na Internet, Lucilene Oliveira, de 25 anos, se vê agora responsável pela criação dos irmãos mais novos e por continuar a cumprir o papel que a mãe desempenhava.
Minha mãe sempre deu tudo pelos sete filhos dela. Ficou viúva, mas nunca deixou faltar nada, não nos abandonou. Trataram a minha mãe como um cachorro.
Outra filha da vítima, Viviane Oliveira, de 20 anos, que aparece no vídeo com uma pá cavando a sepultura, relata como ocorreu o caso no cemitério municipal de Vila Esperança:
A gente já estava indignado com o que aconteceu com a minha mãe e ainda levamos mais essa porrada no cemitério. Estava demorando para sepultarem e, quando perguntamos, não tinha coveiro. Arrumamos as ferramentas e fizemos nós mesmos, não tive vergonha de fazer e faria de novo. Nem na hora da morte deixaram um pingo de dignidade. Nada. Eu tive um filho recentemente, minha mãe estava feliz com o novo neto, que agora nem vai ver crescer.
Vizinha e amiga da família, a dona de casa Patricia Silva lembra que a vontade dos moradores, ao verem que não havia equipe para realizar o sepultamento, era quebrar o cemitério.
– Quando eu soube da história a vontade era pegar todo mundo que estava lá e sair destruindo tudo. Um absurdo o que essa família teve de passar nesses dias todos. É por isso que às vezes as pessoas se revoltam e fazem protesto quebrando as coisas.
Procurada, a Prefeitura de Magé informou que Ana Maria morreu no Hospital municipal de Magé em virtude de insuficiência respiratória, causada por um possível quadro de tuberculose. A Secretaria municipal de Saúde, porém, não explicou por que, mesmo com uma situação clínica grave, a paciente chegou a receber alta dois dias antes do óbito.
Ainda segundo a prefeitura, “a senhora encontrava-se em situação de vulnerabilidade, e os familiares receberam toda a assistência necessária para emissão de documentos que permitissem os trâmites do auxílio funeral gratuito à família, que solicitou o benefício”. Após ter o processo de funeral agilizado pela Secretaria municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, contudo, os filhos de Ana Maria acabaram não encontrando coveiros no cemitério, como relata a administração municipal.
“Lamentamos profundamente e informamos que todas as medidas já foram imediatamente tomadas pela gestão municipal”, conclui o texto enviado pela prefeitura.
No cemitério
No cemitério municipal de Nova Esperança, uma nova equipe assumiu a administração do local após a Prefeitura de Magé demitir todos os funcionários na noite de quinta-feira. Até a tarde desta sexta, apenas dois sepultamentos foram realizados no local.
A nova equipe, um administrador, um auxiliar e quatro coveiros, estava surpresa com o ‘movimento’ do dia. Todos trabalhavam em unidades de Duque de Caxias, então estavam acostumados com cortejos frequentes ao longo do expediente.
– Me ligaram na noite de ontem (quinta) e perguntaram se eu poderia vir assumir aqui hoje. Trabalhei por alguns anos em Caxias e fiquei até assustado com a calmaria daqui. Até agora, foram dois sepultamentos só – disse o novo administrador, identificado apenas como Anderson.
Fonte: Jornal Extra