Outro desafio é o medo dos professores. Há casos de profissionais que pediram exoneração com apenas um dia de trabalho.
De dia, crianças; à noite, bandidos. O Campus Educacional da Maré, inaugurado em fevereiro de 2016 ao custo de R$ 229 milhões, virou um “quartel-general’’ na disputa do tráfico de drogas da região. O conjunto de oito escolas está localizado exatamente na divisa das favelas Nova Holanda e Baixa de Sapateiro comunidades controladas por facções rivais que estão em guerra. Nas raras ocasiões em que não se ouve troca de tiros, as marcas de balas no quadro negro e no mural de trabalhos dos alunos não deixam ninguém esquecer que eles estão em uma área conflagrada.
Integrantes da Unesco que visitaram o local fotografaram os murais cravejados de tiros e choraram. A Secretaria municipal de Educação se reuniu ontem para buscar soluções. Um dos problemas é sobre quem decide se a unidade fecha ou permanece aberta após os confrontos. Hoje é o diretor o responsável por tomar essa decisão.
— Se eles decidem manter aberta, os tiros voltam e alguém é ferido, a responsabilidade é deles. Se fechar sempre, não há aula nunca e tem pressão — diz um educador.
No encontro, o secretário César Benjamin afirmou que vê a Maré com um carinho especial por uma experiência pessoal: quando lutava contra a Ditadura, exilou-se na região, onde morou escondido por três anos. Ele criou um grupo de trabalho com a ajuda de outros órgãos da prefeitura, como a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, para minimizar os danos causados pela violência nas comunidades.
Outro desafio é o medo dos professores. Há casos de profissionais que pediram exoneração com apenas um dia de trabalho. Aqueles que resistem, falam com carinho das crianças de lá.
— São muito carentes. Alguns nunca foram mais longe do que Bonsucesso. É por eles que resistimos. Tem professor com 30 anos de Maré porque ama — frisa um educador.
A rotina de tiroteios na Maré teve mais um capítulo na última quinta-feira. Uma operação policial fechou 20 unidades. Segundo a Secretaria municipal de Educação, 12 escolas, duas creches e seis Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDIs) ficaram sem aulas. As unidades atendem a 6.536 alunos em turno integral. Cinco pessoas ficaram feridas — entre elas, dois policiais militares.
Lotado no Batalhão de Ações com Cães (BAC), o cabo Maurício Pires de Carvalho foi ferido na barriga quando estava na Favela Nova Holanda. Ele foi socorrido para o Hospital Federal de Bonsucesso e está em estado estável. Um outro PM foi atingido na barriga, mas o tiro foi contido pelo colete à prova de balas. Ele está no Hospital Central da Polícia Militar, no Estácio. Outras três pessoas baleadas foram socorridas por moradores e levadas para o Hospital Federal de Bonsucesso. Não há informações sobre a identificação ou estado de saúde delas.
A Polícia Militar informou que, de acordo com o comando da Companhia Maré, a unidade não recebeu nenhuma denúncia nem foi acionado sobre a invasão de traficantes nas escolas da região.
Já o delegado Felipe Curi, titular da Delegacia de Combate às Drogas, afirmou que não há nenhum inquérito aberto sobre o caso.