Mais de 40 anos de resistência, ancestralidade e produção cultural transformam o Ilé À Ìgún Àlákòró em símbolo de fé, arte e cidadania.
A história de resistência e de cultivo de saberes em Bongaba alcançou um marco simbólico e político: o Ponto de Cultura Oní L’wà Njo, vinculado ao terreiro Ilé À Ìgún Àlákòró, teve sua existência institucionalizada no Diário Oficial da União um feito que provoca orgulho, emoção e o respiro de reconhecimento para uma iniciativa orgânica, periférica e ancestral.
UMA SEMENTE QUE VIRAM RAIZ
O Ilé À Ìgún Àlákòró, dirigido por Pai Paulo de Ògún (Paulo José dos Reis), nasceu há mais de quatro décadas como uma aposta: acreditar que um terreiro de Candomblé poderia ser também um espaço de produção artística e cultural. Ao longo desse tempo, consolidou-se como “útero de saberes e fazeres”: abriga projetos de dança (Companhia Raízes que Dançam, Jongo do Quilombo), música (Samba Ancestral), leitura (Biblioteca Ba Lake), cineclube (Cine Àlákòró), rodas de conversa, ações ambientais (horta orgânica, agrofloresta, plantio de árvores litúrgicas) e suporte comunitário.
Segundo relatos da comunidade, mais que infraestrutura cultural, o terreiro efetiva resistência: “Arte e Cultura são modos de existir, de resistir e de transformar mundos interiores e exteriores”.
DO RECONHECIMENTO ÀS CONQUISTAS
A oficialização no âmbito federal (via Diário Oficial) não foi apenas protocolo: salda uma dívida simbólica com uma organização que, mesmo periférica, construiu trajetória intensa de participação cultural.
Recentemente, foi realizada em Magé a 1ª edição do Festival Legado Ancestral de Matrizes Africanas, contemplado pelo edital do Chamamento Público nº 13/2024, com recursos da Lei Aldir Blanc (Lei nº 14.399/2022) e apoio da secretaria municipal de Cultura. O evento celebrou com música, dança, gastronomia afro, rodas de conversa e a presença de autoridades religiosas e acadêmicas, com homenagens a mestres do candomblé.
Entre os convidados, estiveram Mãe Rita de Oya (Ase Gbangbose), Mãe Denise de Oya, Mãe Rita de Sango, além de professores da UERJ e UFRJ e autoridades locais. O Dia O encerramento foi com o grupo Baque da Mata e o grupo Orunmilá.
DESAFIOS E POTENCIALIDADES
Mesmo com o reconhecimento formal, permanecem desafios estruturais: manutenção física dos espaços, captação de recursos para alavancar os múltiplos núcleos de ação, fortalecimento das parcerias institucionais, visibilidade e segurança cultural.
Por outro lado, a trajetória já consolidada mostra possibilidades de expansão: projetos de pré-vestibular voltados à juventude quilombola, formação cultural em escolas, intercâmbios com outras casas afro-brasileiras e ampliação das atividades ambientais e educativas.
A FORÇA DA MEMÓRIA E DO FUTURO
A institucionalização do Ponto de Cultura Oní L’wà Njo num documento oficial não encerra a luta ao contrário, abre novas frentes. É um passo na direção de fortalecer o legado ancestral, legitimar o espaço terreirológico como arena de ação sociocultural e garantir que o trabalho de tantas gerações não seja invisível.
Na voz de Pai Paulo: “vamos festejar do modo africano de ser: com música, dança, comida, conversa e alegria que transborda da alma e do corpo.” E assim, o Ilé À Ìgún Àlákòró segue sendo mais do que um espaço: é promessa viva de cultura, fé e transformação numa terra que reconhece sua raiz.