Cancelamento de reunião entre Haddad e Tesouro dos EUA expõe fragilidade da diplomacia brasileira frente a influências políticas paralelas.
Na segunda-feira (11), uma reunião estratégica entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, prevista para acontecer em Washington, foi inesperadamente cancelada. O cancelamento repercutiu negativamente em Brasília, mas o que chamou atenção foi a especulação de que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro e atualmente em visita aos Estados Unidos, teria interferido nos bastidores para que o encontro não ocorresse.
Eduardo negou qualquer envolvimento. No entanto, a simples hipótese de que um parlamentar da oposição possa exercer influência suficiente para inviabilizar uma reunião de alto nível entre dois países soberanos levanta uma questão incômoda: até que ponto figuras políticas brasileiras atuando no exterior estão impactando — direta ou indiretamente — a política externa oficial do Brasil?
Diplomacia paralela ou presença legítima?
Não é a primeira vez que Eduardo Bolsonaro atua internacionalmente com impacto político. Como ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e interlocutor frequente da direita global — com vínculos com figuras como Steve Bannon e políticos conservadores americanos — Eduardo construiu uma rede de contatos que, embora informal, é influente. Mas isso o credencia a se sobrepor à agenda diplomática de Estado?
A chancelaria brasileira (Itamaraty) não comentou o episódio diretamente. Já o Ministério da Fazenda confirmou o cancelamento, sem mencionar causas ou agentes externos. Eduardo, por sua vez, usou as redes sociais para negar envolvimento e acusar setores da imprensa de “teoria da conspiração”.
A ausência de uma resposta firme
Independentemente da veracidade da articulação, o episódio evidencia outro problema: a falta de coordenação institucional entre as frentes diplomáticas brasileiras. Em um momento em que o Brasil tenta negociar a remoção de tarifas impostas pelo ex-presidente Donald Trump — que afetam diretamente produtos como o aço e o alumínio —, não há margem para ruídos internos.
Dados do Ministério da Indústria mostram que as sobretaxas americanas aplicadas desde 2018 já causaram perdas bilionárias à balança comercial brasileira. As negociações para sua reversão envolvem não apenas aspectos técnicos, mas também relações políticas de confiança — algo que se fragiliza quando há disputas de narrativa dentro do próprio país.
Um Estado com múltiplos porta-vozes
A atuação internacional de parlamentares não é incomum em democracias. O que preocupa no caso brasileiro é a possível sobreposição entre interesses pessoais, familiares ou partidários e os objetivos de Estado, principalmente em uma relação tão estratégica quanto a que o Brasil mantém com os Estados Unidos.
O caso levanta uma reflexão mais profunda: será que a diplomacia brasileira está suficientemente equipada — e respeitada internamente — para liderar as negociações internacionais com autonomia? Ou estaria sendo minada por iniciativas individuais, muitas vezes legitimadas pela polarização política que ainda domina o debate nacional?
Um sintoma maior
Não há provas de que Eduardo Bolsonaro tenha articulado o cancelamento da reunião entre Haddad e Bessent. Mas a própria possibilidade disso ser crível aponta para um problema mais amplo: a dificuldade da política externa brasileira de se blindar da política doméstica e suas disputas pessoais.
Enquanto isso, o setor produtivo, prejudicado por tarifas e incertezas, aguarda respostas práticas. E a diplomacia brasileira, ao que tudo indica, continua tentando navegar em mar revolto — sem bússola clara, nem comandante com autonomia plena.