Com a saída de José Renato Torres, parlamentares miram interferir em outras áreas da Segurança Pública, incluindo a Secretaria de Administração Penitenciária.
Em meio a uma onda de confrontos na cidade e a operações de enfrentamento à criminalidade que envolvem até mesmo o apoio do governo federal, o secretário de Polícia Civil foi substituído por questões alheias à segurança pública. Após a pressão de políticos, o governador Cláudio Castro (PL) nomeou o delegado Marcus Amim para o comando da instituição porque o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar (PL), estava insatisfeito com José Renato Torres que ficou apenas três semanas no cargo.
Para fazer a troca, Executivo e Legislativo foram ágeis: mudaram a Lei Orgânica da Polícia Civil em apenas 24 horas, já que o escolhido não poderia assumir o posto por não ter pelo menos 15 anos na função de delegado. Nos bastidores, já se fala que o trator político deve passar pela Polícia Militar e pela Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap).
Briga entre poderes
Por trás da demissão de Torres, está uma queda de braço entre Bacellar e o policial civil aposentado Fernando Cezar Hakme, hoje assessor da Casa Civil e braço-direito de Castro. Foi de Fernando Cezar a indicação de Torres para o mais alto cargo na Polícia Civil, enquanto o presidente da Alerj queria a nomeação do delegado Antenor Lopes a quem ontem chamou de amigo no plenário da Casa. Nessa primeira batalha, venceu o assessor, mas com um acordo para Antenor ocupar a Subsecretaria Operacional, o que não aconteceu.
A maré virou para a Alerj quando, na semana passada, Castro enviou projetos de leis que permitem o uso da verba vinculada a fundos para o pagamento de outras despesas do Executivo, como salários. Trata-se de uma soma de R$ 4,5 bilhões, que poderia aliviar o apertado caixa. Nos corredores da Alerj, todos comentam que foi a moeda de troca perfeita. Castro tirou Torres da Polícia Civil, e os deputados já devem votar hoje os projetos que mudam nos fundos.
Então, assim, fico feliz e aqui, publicamente, elogio o governador Cláudio Castro pela escolha (de Torres). Conte com o meu apoio. Não tem ingerência alguma, até porque não é novidade para ninguém que um dos poucos amigos que tenho na Polícia Civil chama-se delegado Antenor, que coincidentemente, há dez dias a mídia falava que era o meu escolhido, que havia uma queda de braço com o governador para colocar o Antenor. Estranhamente, o noticiário de ontem para hoje, já diz que o Amin é meu. Normal: tudo no Rio sou eu. Se engravidar a Madonna, amanhã, foi Bacellar também. Então, já me acostumei com isso disse o presidente da Casa.
A indicação de Marcus Amim o quarto secretário de Castro na Polícia Civil está sendo considerada uma vitória de Bacellar, mas quem teria indicado o nome do delegado foi o deputado Márcio Canella (União), amigo do presidente da Alerj e que também teria levado o futuro secretário para o Detran.
Pessoas próximas ao ex-secretário afirmaram que Torres não foi comunicado sobre a chance de perder o cargo e que soube da mudança pela imprensa. Ontem, ele pediu exoneração e se despediu da equipe. Em seu discurso, afirmou que a polícia está rachada. Também brincou dizendo que não vai entrar no “Guinness World Records” o livro de recordes porque descobriu que um secretário teve a gestão ainda mais curta e ficou apenas um dia no cargo.
A mensagem com a mudança da Lei Orgânico chegou à Alerj no fim da tarde de anteontem e foi votada em menos de 24 horas. Com o tempo curto, deputados correram para apresentar emendas e colher as assinaturas necessárias. Ao todo foram 20 mudanças propostas, o que obrigou Rodrigo Bacellar a convocar uma sessão extraordinária. Após um acordo com a oposição e parte da base que desaprovava o texto inicial, algumas alterações foram feitas. Foi adicionado ao texto que o secretário tem ser um delegado no último estágio da carreira e que esteja há pelo menos 20 anos na instituição caso que Amim, que ocupa cargos na Polícia Civil desde 2002, mas é delegado há dez anos. Outra alteração foi o sistema de premiação por pontos para promoção.
O texto original também mudou o tempo de serviço para os cargos de segundo escalão. A Subsecretaria de Inteligência, por exemplo, poderá ser comandada por delegados que tenham 12 anos de Polícia Civil. Outra alteração vai garantir escolta para o ex-secretário por dois anos, em vez de um como é hoje.
Críticas até da base
Votaram contra todo o texto os deputados Carlos Augusto (PL), Marta Rocha (PDT) e Luiz Paulo (PSD), além de toda a bancada do PSOL registradas presencialmente pelos deputados Flávio Serafini, Dani Monteiro e Josemar e remotamente por Renata Souza e Yuri. A votação terminou às 18h05.
A mudança na lei para beneficiar uma escolha política foi criticada por parlamentares até da base do governo, que de forma reservada afirmaram não ter visto com bons olhos a troca na Polícia Civil, sobretudo com a interferência política em uma área que era considerada “blindada”.
Nunca vi uma situação em que a própria base do governo pede a cada semana a cabeça de um secretário. É uma briga por espaço. Isso não foi inaugurado agora, mas eu nunca vi de uma forma tão intensa e tão explícita — disse Carlos Minc (PSB), deputado há oito mandatos.
O sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro (Sindelpol) criticou a mudança na lei para beneficiar Amim. “Infelizmente, a prática corriqueira de interferências políticas diretas na escolha do chefe da Polícia Civil pelos mais diversos agentes externos se tornou tão banal e escancarada no Estado do Rio que não causa mais sequer surpresa ou perplexidade à sociedade carioca”, diz trecho da nota.
Ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da PM reformado, José Vicente da Silva Filho fez duras críticas à mudança na cúpula da Polícia Civil:
Essa absurda interferência política, que tem muita acolhida na Polícia Civil, enfraquece a instituição para cuidar de suas obrigações de investigar as facções que dominam centenas de comunidades no Rio.
José Vicente também condenou o fato de o Detran-RJ ser comandado por um delegado e citou a determinação do ex-governador de São Paulo Mário Covas, há 30 anos, que deveria servir de modelo para o Rio:
Mário Covas estabeleceu uma regra: nenhuma interferência política nas áreas de Segurança e Educação. E rapidamente tirou a Polícia Civil do Detran, recolhendo mais de 300 investigadores e dezenas de delegados de lá, e modernizando a gestão com quadros especializados em administração e tecnologia.
Mais pedidos
Com a brecha criada com a saída de Torres, parlamentares miram interferir nas outras áreas da Segurança Pública. A secretária de Administração Penitenciária, Maria Rosa Lo Duca Nebel, há algumas semanas é alvo de críticas públicas por deputados, que sua saída. Além dela, o coronel Luiz Henrique Pires, secretário de Polícia Militar, também balança no cargo. Interlocutores do governo dizem que já há pelo menos dois nomes cotados para assumir seu lugar: o diretor da Coordenadoria Militar da Alerj, coronel Flávio Mello, e o coronel Marcelo Malheiros, ex-comandante do 5º Comando de Policiamento de Área (Sul Fluminense e da Costa Verde).
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Alerj, Rodrigo Amorim (PTB) nega a interferência política em qualquer cargo, mas diz que Maria Rosa não cumpriu promessas, como chamar aprovados nos concursos públicos.
O que vi foram críticas com situações que aconteceram, como o caso dos médicos executados. Eu tenho críticas à Seap. Não é questão pessoal, mas a secretária não cumpriu palavra. Por isso acho que deve haver trocas afirmou Amorim.