Envolvidos, na ativa ou não, respondem por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção.
As denúncias contra agentes da lei
Dados sobre investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (Gaeco)
Em cada dez denunciados por crime organizado no estado, dois são ou foram policiais. O caso mais recente foi o de uma quadrilha, desbaratada na última quinta-feira, que tinha o controle do tráfico em Resende. Entre os mais de 100 integrantes do bando, havia dois PMs do batalhão do município, flagrados em escutas telefônicas extorquindo dinheiro de criminosos. A tropa suspeita de desvios de conduta no Rio já tem 826 PMs e ex-PMs, que respondem por denúncias de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção, entre outros crimes investigados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual, criado em 2010.
Desde que surgiu, o Gaeco já denunciou 5.219 criminosos, 20% deles servidores da área de segurança. Outros dados da Justiça, do MP, das Corregedorias e das Ouvidorias revelam ainda que, com seus tentáculos, o crime organizado no Rio não corrompeu apenas agentes da lei que trabalham nas ruas, mas também policiais civis responsáveis por investigações e até agentes penitenciários que deveriam, por regra, garantir que, uma vez preso, o criminoso perdesse o contato com seu bando e não oferecesse mais risco a quem quer fosse. O combate à corrupção nas polícias e no sistema penitenciário está entre as prioridades da intervenção federal no Rio, decretada pelo presidente Michel Temer.
Dificilmente uma estrutura de organização criminosa vai funcionar sem a presença do agente público dentro dela ou a conivência dele. Ela, em geral, funciona com a participação ou a corrupção do agente público. As investigações mostram que as quadrilhas de tráfico de drogas tinham sempre, ao menos, um policial explica o coordenador do Gaeco, Daniel Braz.
Sistema de punição está estrangulado
Enquanto o interventor, general Walter Souza Braga Netto, prepara um plano de ação que incluirá um combate mais rigoroso a desvios de conduta, as corregedorias internas das polícias e o Ministério Público, além de equipes das próprias delegacias e dos batalhões, também tentam lidar com o problema tendo pela frente sérios desafios. Além dos de ordem material, que envolvem escassez de recursos, há ainda o corporativismo, que muitas vezes prejudica o andamento das denúncias, e uma legislação que beneficia denunciados em cargos de chefia ou de patentes mais altas, quando são militares.
— Os recursos, assim como a autonomia das corregedorias, são limitados. Por um lado, há aspectos políticos, já que os corregedores são indicados pelos governadores, que também nomeiam o chefe de polícia e o comandante da PM. Por outro, há questões estruturais porque as instituições não estão aptas a oferecer segurança para as testemunhas, não possuem veículos para deslocamentos de depoentes e até mesmo meios de produzir provas, ficando dependentes de processos criminais para obter material para os inquéritos administrativos — explica Andréa Ana do Nascimento, professora da PUC do Rio Grande do Sul, que fez estudos sobre corrupção e violência policiais no Rio.
Para cuidar das investigações sobre suspeitas que envolvem uma tropa de 45 mil homens no estado, a Corregedoria da PM do Rio tem oito delegacias de Polícia Judiciária Militar. Para fazer as denúncias e acompanhar as audiências, o Ministério Público estadual dispõe de três promotores que atuam na Auditoria de Justiça Militar, a única vara especializada no Tribunal de Justiça para julgar os crimes dos militares fluminenses. O Rio é o único estado do país em que apenas uma vara concentra todos os processos. A Constituição assegura que estados com efetivo militar superior a 20 mil integrantes devem contar com um Tribunal de Justiça Militar.
Essa estrutura enxuta poderá ficar ainda mais sobrecarregada. Em outubro do ano passado, houve uma alteração no Código Penal Militar, de forma que os homens das Forças Armadas convocados para ações integradas no Estado respondam à Justiça Militar por qualquer crime.
— Antes, a Justiça Militar só era competente para julgar crimes militares. Com a mudança, vamos lidar com questões relacionadas a Estatuto do Desarmamento, a lei antidrogas, a crime organizado — explicou a juíza Ana Paula Monte Figueiredo Pena Barros, titular da Auditoria Militar. — Mas, como há varas nos enviando até processos anteriores à alteração legal, temos suscitado conflito, e o Tribunal tem mandado voltar. Se concentrarmos tudo, teremos problemas como excesso de prazos.
A precariedade é outro obstáculo. Segundo fontes do Ministério Público, até novembro passado, cada uma das oito delegacias judiciárias da Corregedoria da PM recebia por mês R$ 1 mil para bancar todos os seus custos, incluindo combustível.
— Esses policiais fazem até mais do que poderiam — criticou a promotora Allana Poubel, da Promotoria Militar — que tem outros dois promotores —, reconhecendo que a corrupção policial está institucionalizada e que é preciso investir na qualidade de vida dos agentes e no fortalecimento das corregedorias. — Na maioria dos casos, é o PM que exige dinheiro para deixar o mototáxi trabalhar ou que cobra R$ 100 por semana para fazer vista grossa para venda de drogas. Ele não ganha propina para enriquecer, mas para jantar fora com a família, para dar um upgrade no seu padrão de vida.
A desonestidade é o problema que mais assombra a corporação. Dos 1.462 processos em andamento na Auditoria Militar do Tribunal de Justiça do Rio, os casos de corrupção e concussão (obtenção de vantagem indevida por servidor público) são os mais comuns, totalizando hoje 124 processos. Um deles se refere aos 96 policiais do Batalhão de São Gonçalo presos na Operação Calabar, em alusão a Domingos Fernandes Calabar, senhor de engenho que se aliou aos holandeses que invadiram o Nordeste e considerado o maior traidor da História brasileira. O esquema movimentava, por mês, propina de R$ 1 milhão, paga aos PMs pelo tráfico em parcelas de R$ 250 mil por semana.
A percepção da população para o problema pode ser retratada a partir de uma estatística. Nos últimos dez anos, a Ouvidoria recebeu 2.028 informações sobre 16 delitos relativos a aumento de patrimônio de agentes. Desse total, 56,7% envolviam cobranças de propinas, totalizando 1.150 queixas contra policiais civis e militares.
Os relatórios, no entanto, mostram que a punição é baixa. Entre 2008 e 2017, 674 procedimentos foram abertos, envolvendo não só os crimes que visam a algum tipo de ganho financeiro, mas outros como estupro, porte ilegal de armas, etc. Em apenas 17% dos casos, houve algum tipo de punição. As sanções são mais frequentes contra praças. Nesse período, apenas dois oficiais da PM foram punidos — mesmo assim, apenas com repreensão e advertência — e cinco delegados (três deles com prisão).
Para o jurista Luiz Flávio Gomes, criador do movimento “Quero um Brasil ético”, o combate à violência não se faz sem um enfrentamento da corrupção na polícia e, sem isso, a intervenção federal não terá efeito:
— As punições são raras. O corporativismo é forte. Alguns são punidos, como se fosse uma amostragem. Quanto mais se sobe no degrau hierárquico, mais corporativista fica.
No ano passado, a Polícia Civil, através de sua Corregedoria interna, instaurou 249 sindicâncias e 68 inquéritos, puniu 22 servidores, cumpriu 27 mandados de prisão e prendeu oito servidores em flagrante. Ainda em 2017, os corregedores também realizaram 231 correições em suas unidades.
Trinta bombeiros denunciados por corrupção
Com a intervenção federal, o sistema penitenciário do Rio também ficou no foco das ações contra abusos de servidores. No início da semana, as Forças Armadas realizaram junto com agentes da Secretaria de Administração Penitenciária uma varredura no presídio Milton Dias Moreira, em Japeri, encontrando 48 celulares e drogas. Foi instaurada sindicância para apurar como o material entrou na unidade, onde houve um princípio de rebelião no domingo, dia 18. Em 2017, foram instaurados 63 processos administrativos disciplinares pela Corregedoria da instituição, que resultaram em duas advertências, seis repreensões, seis suspensões, sete demissões e uma cassação de aposentadoria, jubilação ou disponibilidade.
Considerada uma das instituições de maior credibilidade do país, o Corpo de Bombeiros também teve a imagem arranhada no ano passado quando, em setembro, a partir de Investigações do Gaeco e da Corregedoria Geral Unificada, a Justiça do estado decretou a prisão de 36 pessoas. Dessas, 30 eram oficiais da corporação, acusados de cobrar propina para aprovar laudos de prevenção de incêndio para empresas.
Fonte: Jornal O Globo