O nacionalismo excludente ressurge na Alemanha

O perigoso renascimento de uma força conservadora no país mais decisivo para a paz e estabilidade do continente.

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Na eleição de 4 de setembro no Mecklemburgo, estado onde Angela Merkel fez sua carreira política e se elegeu para o Parlamento, seu partido conservador, União Democrata Cristã (CDU pela sigla em alemão) caiu de uma votação de 23% em 2011 para 19% e ficou em terceiro lugar, depois dos social-democratas (SPD), que caíram de 36% para 31%, e da xenófoba Alternativa para a Alemanha (AfD), que sequer existia na eleição anterior, em 2011, mas conseguiu 21%.

O partido A Esquerda (Die Linke), herdeiro do antigo Partido Comunista da Alemanha Oriental, caiu de 18% para 13%, Os Verdes (Die Grünen) de 8% para 5%, e o neonazista Partido Nacional Democrático (NPD) de 6% para 3%. O Partido Liberal (FDP) permaneceu nos mesmos 3% de há cinco anos. 

Resultados semelhantes haviam sido vistos no primeiro semestre nos estados de Baden-Würtemberg, Renânia-Palatinado e Saxônia-Anhalt: em todos eles a CDU teve queda expressiva em relação à eleição anterior e a AfD saltou do nada para porcentagens de dois dígitos: respectivamente, 15%, 14% e 24%.

Duas semanas depois, Berlim deu outro revés a Merkel, cujo partido pareceu ter chances de tomar a maioria ao SPD no Legislativo da capital nas pesquisas de 2015, mas caiu de 23% para 18%. Devido ao fracionamento partidário na cidade, ainda ficou em segundo lugar. Também caíram os social-democratas (de 28% para 22%), os Verdes (de 18% para 15%) e o Partido Pirata (de 9% para 2%). O FDP cresceu de 2% para 5%, a AfD surgiu com 14% e A Esquerda cresceu de 12% para 16%.

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Vale notar que Berlim tem uma tradição libertária e vanguardista herdada dos jovens contestatários incentivados por aluguéis baixos e isenção do serviço militar a se estabelecer na metade ocidental da cidade durante a Guerra Fria. Que parte desses eleitores tenha trocado verdes e piratas “alternativos” pela esquerda mais tradicional é tão sintomático de polarização quanto a votação significativa da ultradireita.

A primeira-ministra aceitou a responsabilidade pelas derrotas, embora defenda sua decisão de permitir a entrada de cerca de 1 milhão de refugiados em 2015. É animador que continue a defendê-la em princípio, apesar de ter recuado na prática ao endurecer o controle nas fronteiras e negociar um acordo com o governo turco para bloquear os migrantes na origem.

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Em contraste, a líder da AfD Frauke Petry pede a proibição de minaretes e o uso de força armada contra refugiados. Atacou o jogador da seleção alemã Mesut Özil por peregrinar a Meca. Mais do que isso, parece empenhada em reabilitar o nacionalismo e lhe dá matizes perigosamente reminiscentes do passado.

O debate sobre o manifesto do partido, vazado por uma ONG em março, incluiu propostas para incentivar as mulheres alemãs a ter três ou mais filhos, o fim de recursos para creches e educação infantil, a redução da idade de responsabilidade penal para 12 anos, o aprisionamento perpétuo de doentes mentais resistentes à terapia, a obrigação de museus e teatros de promover a “cultura alemã” e não as estrangeiras.

A versão final, publicada em maio, é menos explícita, mas esse espírito está presente e pede a mudança dos currículos de história para acabar com a “ênfase” na crítica ao nazismo em favor dos “aspectos positivos” da história. Assim como Marine Le Pen na França, Frauke Petry é tática o bastante para conter os exaltados, modular o tom e escolher os momentos certos.

Mesmo assim, dias após publicar o manifesto, o partido preparou um evento em uma cervejaria onde Adolf Hitler fez um dos seus primeiros discursos e só recuou ante o risco de protestos em massa. Na campanha em Berlim, Petry, mãe de quatro, criticou Merkel por não ter filhos próprios (embora tenha participado da criação dos dois do segundo marido) e insistiu em entrevista na necessidade de dar “sentido positivo” aos derivados de Volk.

O termo primitivo ainda é usado em alemão com o sentido não necessariamente racial de “povo”, mas desde o nazismo seus derivados têm outro sentido, étnico e inequívoco: völkisch não significa “popular”, mas “étnico”, pois exclui judeus e minorias e abrange comunidades “germânicas” de outros países.

Entretanto, é rotina cartazes de manifestações da AFD acusarem Merkel e seu governo devolksverräter, “traidores da raça”, e uma mensagem de Natal do partido convocou eleitores a pensar em sua responsabilidade para com a volksgemeinschaft, “comunidade de sangue”, duas palavras-chave do discurso nazista.

Como os acenos semivelados de Donald Trump ao racismo, são exemplos daquilo que nos Estados Unidos se chama de dog whistle, uma mensagem pública teoricamente só ouvida pelo destinatário. Na prática, quase todos a ouvem, mas o interessado sempre pode alegar ser mal-entendido.

001Fonte: Carta Capital 

 

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