Índices recentes indicam melhora nos serviços, mas cidades ainda enfrentam dificuldades financeiras para garantir atendimento regular à população.
Os municípios de Magé e Guapimirim, na Baixada Fluminense, vêm registrando avanços significativos na área da saúde pública nos últimos anos. De acordo com o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM-Saúde), divulgado em 2025 com base nos dados de 2023, ambas as cidades apresentaram melhora na qualidade dos serviços oferecidos à população.
Em Magé, o IFDM-Saúde passou de 0,4688 em 2013 para 0,4959 em 2023, crescimento de cerca de 5,8% em uma década. Já em Guapimirim, o salto foi ainda mais expressivo: de 0,5095 para 0,5503 no mesmo período, uma evolução próxima de 8%. Na prática, isso reflete o fortalecimento da atenção básica, o aumento de cobertura em programas de acompanhamento de hipertensão, diabetes e pré-natal, além da ampliação da rede de Estratégia Saúde da Família.
O papel das gestões locais
As administrações municipais destacam que os avanços são fruto de investimentos na atenção primária, modernização das unidades de saúde e contratação de novos profissionais. Em Guapimirim, a expansão de postos de Estratégia Saúde da Família e a integração com programas estaduais ajudaram a elevar a nota do município. Já em Magé, a criação de novos polos de atendimento e programas de prevenção foram decisivos para reduzir desigualdades históricas no acesso ao SUS.
Apesar dos números ainda modestos em comparação a outras regiões do estado, os resultados indicam que as gestões locais vêm conseguindo reverter tendências negativas e oferecer serviços mais próximos do mínimo aceitável para a população. Guapimirim conta com uma população abaixo de 100 habitantes, 51.696 habitantes segundo (Censo 2022). enquanto com Magé supera 200 mil: 228.127 habitantes (Censo 2022).
O gargalo dos repasses
Se os avanços são visíveis, os desafios também o são. Um dos principais entraves para a consolidação de uma saúde de qualidade está na falta de regularidade nos repasses de verbas estaduais e federais. Prefeituras da Baixada, em geral, denunciam que o atraso ou a insuficiência de recursos compromete a manutenção de equipes médicas, a compra de medicamentos e o custeio de insumos básicos.
Em Magé, gestores já admitiram que os repasses chegam, muitas vezes, em volume insuficiente, o que obriga o município a cobrir lacunas com recursos próprios — um cenário que pressiona as finanças locais e reduz a capacidade de investir em melhorias estruturais. Em Guapimirim, a situação não é diferente: apesar dos bons indicadores, a administração alerta que a sustentabilidade desses avanços depende de uma política mais clara e estável de financiamento do SUS.
Baixada ainda atrás do estado
Mesmo com os esforços, a Baixada Fluminense segue como a região com os piores indicadores de saúde pública do Rio de Janeiro. Segundo a Firjan, a média regional foi de 0,5189 em 2023, cerca de 14% abaixo da média estadual. Municípios como Belford Roxo (0,2740) e Japeri (0,3799) continuam figurando entre os piores desempenhos do estado, o que reforça a desigualdade regional.
Ainda assim, o desempenho de cidades como Magé e Guapimirim mostra que é possível avançar mesmo em um contexto adverso. O desafio, agora, é garantir que as melhorias sejam sustentáveis e que a população não sofra com a instabilidade no atendimento. O quadro abaixo revela os melhores e piores índices da saúde no estado:
Voz da população
Moradores de Magé e Guapimirim reconhecem as melhorias, mas apontam que o atendimento ainda enfrenta filas, falta de especialistas e demora em exames de média e alta complexidade. “Melhorou bastante no posto de saúde perto de casa, mas quando precisamos de um exame mais detalhado, é outra luta”, relata uma moradora do distrito de Piabetá, em Magé.
Em Guapimirim, a população elogia o aumento de médicos na atenção primária, mas reclama da falta de leitos de internação no município, o que obriga pacientes a buscarem atendimento em cidades vizinhas.
Desafio de futuro
A saúde pública na Baixada Fluminense enfrenta um dilema: como garantir atendimento digno em meio a repasses incertos e orçamentos apertados? Enquanto Magé e Guapimirim avançam e sinalizam uma virada possível, especialistas alertam que o caminho só será consolidado com mais recursos federais, eficiência na gestão e transparência no uso do dinheiro público.
Em um cenário de desigualdades históricas, os exemplos dessas duas cidades podem servir como referência para toda a região, mas o futuro da saúde ainda depende de decisões estruturais além da vontade política local.
O impacto da perda dos royalties na saúde de Magé e Guapimirim
Além das dificuldades já enfrentadas com repasses federais e estaduais irregulares, Magé e Guapimirim sofrem com outro problema estrutural: a perda de receitas oriundas dos royalties do petróleo.
Esses dois municípios chegaram a figurar como beneficiários da redistribuição prevista na Lei 12.734/2012, que ampliava a participação de cidades fora da área de produção direta. No entanto, a lei foi suspensa liminarmente pelo STF em 2013, após ação movida pelo governo do Rio de Janeiro e prefeituras de cidades produtoras, como Niterói e Maricá.
Na prática, Magé e Guapimirim deixaram de receber uma receita que, segundo estimativas, poderia somar centenas de milhões de reais ao longo da última década — valores que fariam diferença justamente em áreas sensíveis como saúde, educação e infraestrutura.
Consequências para a saúde pública
Planejamento limitado: Sem a compensação financeira dos royalties, os municípios permanecem dependentes quase exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e dos repasses do SUS. Isso torna o orçamento da saúde mais vulnerável a oscilações e atrasos.
Estrutura precária: Muitas das unidades de saúde em Magé e Guapimirim carecem de modernização, e a ausência desses recursos extras inviabilizou projetos de hospitais regionais e centros de média complexidade que estavam no papel.
Comparação com vizinhos beneficiados: Enquanto cidades como Niterói e Maricá conseguiram turbinar seus sistemas de saúde com verbas do petróleo — construindo hospitais modernos e programas de atendimento avançado —, Magé e Guapimirim ficaram em clara desvantagem competitiva, com dificuldade até para manter equipes completas na atenção básica.
Voz política e judicial
Em 2025, o STJ barrou recurso de Magé, Guapimirim e São Gonçalo que tentava reverter a decisão em favor de Niterói, alegando que a medida poderia causar “grave impacto econômico e social” no município produtor. Deputados como Altineu Côrtes chegaram a criticar publicamente a posição de Niterói, defendendo uma divisão mais justa das receitas.
Essa batalha judicial mantém Magé e Guapimirim em uma situação frágil: sem os royalties, dependem de criatividade administrativa e de políticas pontuais para sustentar os avanços conquistados na saúde.