Na véspera da chegada do inverno, os transtornos que quebraram a rotina do Rio.
Cariocas tiveram nesta terça-feira um dia de caos por causa de fortes chuvas, um velho problema do Rio. Temporais deixaram ruas de toda a cidade alagadas. A volta para casa foi um martírio, devido a longos engarrafamentos. Na véspera da chegada do inverno, os transtornos que quebraram a rotina do Rio não podem ser atribuídos apenas às tempestades. Uma drástica redução dos investimentos da prefeitura em serviços de conservação pode estar por trás dos visíveis problemas de escoamento. Piscinas de água suja prejudicaram o deslocamento em pontos de grande movimentação nas zonas Sul e Norte. Um trecho da Rua Jardim Botânico virou um rio, e motoristas tiveram que atravessar bolsões d’água na orla da Lagoa. O Rio Maracanã, na Tijuca, transbordou duas vezes em menos de 24 horas.
A enxurrada aconteceu um mês depois de o secretário municipal de Conservação e Meio Ambiente (Seconserma), Rubens Teixeira, anunciar um corte de 66,3% no orçamento deste ano de sua pasta: dos R$ 313,3 milhões previstos, só serão aplicados R$ 105,4 milhões. Segundo o site do Rio Transparente, os recursos secaram. No ano passado, foram investidos cerca de R$ 30 milhões (em média, R$ 2,5 milhões por mês) só na limpeza de galerias. A previsão para 2017 é bem mais modesta: o município pretende aplicar apenas R$ 17,5 milhões nesse serviço. E, até agora, só gastou efetivamente R$ 9,5 milhões (aproximadamente R$ 1,5 milhão por mês) desse total.
No fim da tarde, as rua Jardim Botânico e do Catete foram interditadas. Os problemas não foram menores em outros bairros, como Copacabana, Lagoa e Gávea. Com o transbordamento do Rio Maracanã, várias ruas da Grande Tijuca sofreram interdições.
— O engarrafamento era tanto que o motorista do ônibus em que eu viajava optou por não seguir pela Praia de Botafogo, que estava totalmente parada. Os veículos não andavam. Quando estava na Avenida Osvaldo Cruz (no Flamengo), o motorista perguntou aos passageiros se poderia pegar o Aterro em vez de ir para a Praia de Botafogo. Ninguém fez objeção. A gente queria, mesmo, era voltar logo para casa — contou o músico Daniel Carvalho, que seguia da Lapa para Copacabana.
Diretora de uma escola na Rua Visconde de Caravelas, em Botafogo, Ana Emília Ribeiro não tinha previsão de deixar o lugar às 20h30m de ontem. Com um bolsão d’água que praticamente interditou a rua, as crianças permaneceram dentro da escola, sem que os pais conseguissem chegar para buscá-las.
— O nosso horário é das 7h30m às 19h30m. Mas, como este problema é frequente, a gente já tem uma estrutura para manter o funcionamento, inclusive oferecendo jantar para as crianças. Essa rua alaga em dez minutos de chuva. Somente carros mais altos conseguem atravessar a via. Dá uma apreensão nos pais, porque eles não conseguem chegar — disse Ana Emília, acrescentando que, por telefone, tranquilizou pais aflitos que não tiveram como chegar ao local.
As chuvas que atingiram de forma mais intensa a cidade começaram na noite de segunda-feira. Em seis horas (das 23h de anteontem às 5h de ontem), choveu 125,2mm na estação Tijuca/Muda. Esse índice foi 49% superior à média esperada para todo o mês de junho, que é de 84,3mm, de acordo com os dados dos últimos seis anos do Sistema
Alerta Rio, da prefeitura. A Avenida Édson Passos, no Alto da Boa Vista, ficou horas interditada nos dois sentidos devido a um deslizamento e à queda de uma árvore, na altura da Estrada Velha da Tijuca, durante a madrugada. De acordo com o Centro de Operações Rio (COR), a via só foi liberada por volta das 18h.
Na terça-feira, o secretário municipal de Conservação, Rubens Teixeira, admitiu que a pasta precisou economizar recursos, mas alegou que os cortes foram feitos em áreas menos prioritárias. Ele argumentou ainda que a pasta dispõe de um programa permanente de conservação das galerias. Sobre os dados do Rio Transparente que mostram uma queda nos gastos com limpeza de galerias, ele disse que precisa analisá-los melhor antes de fazer um julgamento:
— Há uma crise provocada pela queda da arrecadação e pelo aumento da dívida pública devido a falhas de gestão do governo passado. Reduzimos despesas, mas de forma que não causassem mais impacto na população.
O secretário argumentou ainda que a precipitação verificada ontem foi atípica para este período do ano. Ele falou que as informações pluviométricas serão analisadas para saber o que de fato aconteceu. Teixeira observou que, pela segunda vez, o sistema de piscinões instalado na Praça da Bandeira e na Tijuca não conseguiu evitar os alagamentos. A primeira vez foi em 12 de março de 2016. Reportagem já revelou, os piscinões operam bem abaixo da capacidade projetada por alterações na concepção dos planos originais. Em vez de 281 milhões de litros de chuvas, só têm capacidade para armazenar 119 milhões de litros.
De acordo com meteorologistas do sistema Alerta Rio, uma combinação de fatores contribuiu para as fortes chuvas. O temporal de ontem à noite foi causado pela chegada de uma frente fria à Zona Sul da cidade associada a outros fatores de instabilidade, como a elevada umidade do ar.
Niterói também sofreu com o temporal de ontem. O canal da Avenida Almirante Ary Parreiras, no Jardim Icaraí, transbordou, deixando várias ruas alagadas. A Região Oceânica foi muito atingida. O município decretou estágio de atenção por causa das chuvas, às 18h56m. Segundo o Centro de Monitoramento e Operações da Defesa Civil da cidade, os maiores índices pluviométricos acumulados em uma hora foram registrados em Piratininga (57,97mm), Itaipu (53,83 mm) e Várzea das Moças (37,99 mm).