Livrai-nos do smartphone.
Foi o equivalente tecnológico do “beba com moderação”. O último marco no ano de desculpas do Vale do Silício aconteceu este mês com a criação por Facebook e Instagram de novas ferramentas que permitem ao usuário estipular limites de tempo para utilização dessas redes sociais e um painel para monitorar o tempo diário dedicado a elas. A ação segue a onda iniciada pelo Google do “Digital Wellbeing” (“Bem-estar Digital”), um conjunto de funcionalidades para incentivar um uso mais saudável da tecnologia. As companhias parecem sugerir que gastar muito tempo navegando na internet é, antes de tudo, um mau hábito. E, se não controlado, pode se tornar um vício desagradável.
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Após prender nossa atenção mais do que se poderia imaginar, essas empresas estão cuidadosamente admitindo que é hora de devolver parte dela para que possamos olhar nos olhos de nossos filhos sem os filtros do Instagram; ver um filme no cinema ou, ao contrário do que mostra o comercial do Apple Watch, até surfar sem check-in.
A libertação da atenção humana pode ser a luta moral e política determinante do nosso tempo afirma James William, filósofo e especialista em tecnologia, autor do livro “Stand Out of Our Light”, sobre o que ele chama de resistência numa “economia da atenção”.
Williams conhece bem o assunto. Durante os dez anos que passou no Google, trabalhou com publicidade em buscas, ajudando a aperfeiçoar um poderoso modelo de anúncios baseados em dados. Aos poucos foi se incomodando.
ESPIADINHA NAS REDES
Episódios públicos como o do jogador de beisebol do Boston Red Sox Pablo Sandoval, suspenso depois de ser pego olhando o Instagram durante uma partida, ou da atriz e cantora Patti LuPone, que tomou o celular de um membro da plateia, ambos em 2015, não seriam recebidos por ele com surpresa.
Williams compara o atual design da nossa tecnologia a um “exército de jatos e tanques” focados em capturar e manter nossa atenção. E esse exército está ganhando. Passamos o dia fixados nas telas, com polegares tremendo nos metrôs e elevadores, olhando de relance para os semáforos. Uma tela não é mais o suficiente. Usamos o celular diante da TV.
Um estudo encomendado pela Nokia descobriu que, a partir de 2013, passamos a checar o celular 150 vezes por dia, em média. Tocamos nele cerca de 2.617 vezes, diz outro estudo, feito pela Dscout em 2016. A Apple confirmou que usuários desbloqueiam seus iPhones, em média, 80 vezes por dia.
Telas foram inseridas onde nunca estiveram antes: mesas do McDonald’s, vestiários e atrás dos assentos dos táxis. É possível comprar um suporte para pendurar iPhones em carrinhos de bebê. Esses somos nós: olhos vidrados, boca aberta, pescoço torto, presos a ciclos de dopamina e bolhas de filtros. Nossa atenção é vendida a anunciantes, junto de nossos dados, e devolvida aos pedaços.
Criado no Texas, Williams trabalhou no Google no que poderia ser chamado de primórdios: quando a empresa, em seu idealismo, resistia ao velho modelo de propaganda. Ele deixou o posto em 2013 para orientar um doutorado em Oxford sobre a filosofia e ética da persuasão no design. Hoje, está preocupado com indivíduos perdendo seus propósitos na vida.
Da mesma forma que você saca o celular para fazer algo, fica distraído. Trinta minutos depois, você percebe que fez dez outras coisas, exceto o que pegou o celular para fazer. Há fragmentação e distração diz.
Ele sabia que não era o único que se sentia assim entre seus colegas. Discursando em uma conferência de tecnologia em Amsterdã, no ano passado, Williams perguntou aos cerca de 250 designers na sala: “Quantos de vocês querem viver no mundo que estão criando? Em um mundo onde a tecnologia está competindo pela nossa atenção?”.
Ninguém levantou a mão conta.
Toda uma indústria surgiu do combate à escalada da tecnologia. Prazeres gratuitos como tirar um cochilo agora são cobrados por hora. Há aplicativos de meditação guiada como o Headspace, que cobra US$ 399,99 por uma assinatura vitalícia.
O HabitLab, desenvolvido na Universidade de Stanford, na Califórnia, encena intervenções agressivas toda vez que você entrar em sua “zona de perigo” no consumo de internet. O Reddit está sugando suas tardes? Escolha entre o one-minute assassin, que cria um timer de 60 segundos para a pessoa, e o scroll freezer, que cria um limite para o quanto de tela o usuário pode rolar e o desconecta automaticamente quando o teto é atingido.
CURSO PARA TER FOCO
Na década de 1990, estimava-se que de 3% a 5% das crianças em idade escolar nos EUA tivessem o que hoje se chama de transtorno de deficit de atenção com hiperatividade. Em 2013, eram 11%, e a taxa crescia, segundo dados da National Survey of Children’s Health.
Na Tufts University, o professor de antropologia Nick Seave terminou recentemente o segundo ano do curso “Como Prestar Atenção”, que ele criou. Em vez de dar dicas sobre como ter foco, ele treina os alunos a olhar para a atenção como um fenômeno cultural — “a forma como as pessoas falam sobre atenção”, afirma Seaver, com tópicos como “a economia da atenção” ou “atenção e política”.
Como dever de casa, Seaver pediu aos alunos que analisassem como um app ou site captura a atenção e lucra com isso. Morgan Griffiths, de 22 anos, escolheu o YouTube.
Muito do que eu consumo tem a ver com “Rupaul’s Drag Race” (programa sobre uma competição de drag queens) diz Griffiths. E quando muitos desses vídeos terminam, a própria RuPaul aparece bem no final dizendo: “Olá amigos, quando um vídeo terminar, abra o próximo. O nome disso é binge-watching, vá em frente, eu encorajo vocês”.
Um colega de classe dele, Jake Rochford, escolheu o aplicativo de relacionamentos Tinder. Notou a atratividade exercida por um novo botão chamado “super-like”, que serve para demonstrar interesse além do convencional por alguém:
Desde que o botão “super-like” se tornou disponível, notei que todas as funções são estratégias para manter o aplicativo aberto em vez de instrumentos para me ajudar a achar alguém.
Depois de completar a tarefa durante a semana, ele desabilitou a sua conta.
Fonte: Jornal Extra