Contrato é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e pelo Tribunal de Contas do Estado.
Em 2022, o Rio de Janeiro recebeu do governo federal 13 milhões de livros didáticos. Mesmo assim, a Secretaria Estadual de Educação (Seeduc) decidiu comprar mais cerca de 1,7 milhões de obras paradidáticas para alunos da sua rede.
O contrato, sem licitação, foi fechado por R$ 618 milhões. Um kit saiu a R$ 800 a unidade.
Já o MEC gastou R$ 110 milhões na remessa de 2022 para o RJ no Brasil inteiro, os 207 milhões de exemplares custaram R$ 1,8 bilhão.
O contrato é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e pelo Tribunal de Contas do Estado.
Os livros paradidáticos são usados para enriquecer o conhecimento dos estudantes com temas complementares. Não possuem o compromisso de ensinar uma disciplina como geografia, ciências ou português. Entre os títulos estão “Convivendo com as emoções”, “Reforço escolar” e “Drogas”.
A denúncia sobre a compra foi feita pelo deputado estadual Flávio Serafini (PSOL-RJ).
“O que nos chamou a atenção nessa compra é que ela é a maior compra de livros da história do Rio de Janeiro que a gente conseguiu levantar”, afirmou Serafini.
Governo Federal
O Governo Federal é responsável por abastecer o país com livros didáticos. Em 2022, por exemplo, o Fundo Nacional de Educação distribuiu praticamente 13 milhões de livros apenas no Estado do Rio de Janeiro por pouco mais de R$ 100 milhões. O número inclui material didático, educação infantil, concursos literários, ensino fundamental e ensino médio.
Assim, o gasto do Rio de Janeiro com livros de apoio é quase seis vezes mais do que o poder federal gastou para comprar livros para todo o estado.
Valor total comprado pelo Governo Federal no país: R$ 1.820.548.793,00
Livros comprados pela Secretaria Estadual de Educação do RJ: R$ 618.645.557,48
O número corresponde a aproximadamente um terço do que o Ministério da Educação gastou para comprar todos os livros didáticos do país inteiro.
“A gente viu que o preço médio dos livros é de três a cinco vezes mais altos que os similares que estão no mercado. E são temas sobre os quais o próprio Ministério da Educação disponibiliza material gratuito, tanto material impresso quanto material didático pra ser trabalhado combinadamente”, disse o deputado Serafini.
Lei orçamentária
A compra de livros foi catalogada pela Secretaria Estadual de Educação em duas rubricas:
- Educação para públicos especiais;
- Aprimoramento e efetividade do ensino público.
Só que, na Lei Orçamentária Anual (LOA), o governo pretendia gastar com elas apenas R$ 6,4 milhões. Com a despesa dos livros, o gasto subiu 9.500%.
“Então, além disso, a gente viu que não estava previsto no orçamento do estado. O orçamento do Rio de Janeiro neste ano previa, para aquisição desse material, o equivalente a 0,11% da Secretaria de Educação. Só que essa compra equivale a mais de 13% das despesas”, destacou Serafini.
Sem licitação
O contrato foi assinado no último dia 22 de agosto, sem licitação. Apenas duas empresas fizeram a cotação de preço, mas não é possível saber quais.
O documento com as cotações foi colocado em segredo para o público em geral no sistema de informações do Governo do Estado.
Só é possível saber quem ganhou: a empresa Photonlux Distribuidora de Materiais, que fica em Vitória, no Espírito Santo.
A Secretaria de Educação se baseou em uma ata de registro de preços. Funciona assim: primeiro o órgão público abre um edital para fazer uma compra e estabelece como deve ser e quanto deve custar o produto.
Depois, a empresa se manifesta e estabelece um valor de venda. Por exemplo, um livro por R$ 50.
O órgão público analisa, então, se o produto tem preço compatível com o valor de mercado e pode aderir a ata para fazer a compra nesse preço.
Depois disso, outros órgãos públicos também podem aderir a mesma ata e comprar um produto similar pelo mesmo preço.
A Secretaria Estadual de Educação seguiu este sistema e se baseou em livros oferecidos pelo Instituto Federação de Educação, Ciência Tecnologia do Espírito Santo (Ifes).
Irregularidade
Há menos de seis meses, o TCE considerou irregular uma compra semelhante da própria Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. A ata se baseava em livros de estatística, ciência da computação e astronomia. Enquanto os livros comprados eram de matemática para alunos do ensino fundamental.
O corpo técnico do tribunal manifestou ainda a impossibilidade de comprovar a distribuição do material didático, em razão do número significativo de escolas beneficiadas, distribuição geográfica e o tempo para concluir o relatório.
O problema do contrato anterior voltou à tona em um alerta do assessor jurídico da Secretaria Estadual de Educação, Rodrigo Soares Costa. Ele pede um exame cuidadoso do novo contrato, com apontamentos técnicos e robustos, já que o TCE encontrou irregularidades nas contratações anteriores.
Na compra atual, por exemplo, um livro sobre drogas foi equiparado ao de ciências biológicas.
O assessor jurídico foi além e pediu que o setor técnico da secretaria mostrasse a vantagem da adesão, em especial, a justificativa relacionada à economia da contratação, considerando as outras soluções oferecidas pelo mercado.
Diego da Silva Barreira, coordenador de compras, deu a resposta pela secretaria e escreveu que não havia impedimentos para a continuidade do processo. Uma semana depois, o contrato foi assinado.
Inquérito
Diego da Silva Barreira é citado em um inquérito do Ministério Público que apura compras irregulares, sem licitação, de medicamentos para Covid durante a pandemia, que custaram R$ 142 milhões e causaram danos aos cofres públicos.
As compras foram realizadas em 2020, durante a gestão de Wilson Witzel, quando vários subordinados dele acabaram presos.
Na época, Diego Barreira trabalhava na Coordenação de Compras da Secretaria Estadual de Saúde. Ele deveria mandar e-mails para as empresas para verificar os preços e escolher o mais barato.
O Ministério Público descobriu que tudo não passava de uma tentativa de ampliação da concorrência. Na realidade, de acordo com as investigações, a solicitação era feita a empresas-fantoche, controladas por empresas principais, que ganhavam a falsa concorrência.
De acordo com o MPRJ, o ex-subsecretário de Saúde, Gabriell Neves, que chegou a ser preso, se associou a servidores da pasta, como Diego, para forjar pesquisas de mercado e mascarar a fraude que prejudicava os cofres públicos.
O processo do caso corre em sigilo.
No mês passado, o mesmo Diego deu o aval para continuar a compra de mais de meio bilhão de reais em livros para a Secretaria Estadual de Educação.
Contrato
O contrato assinado entre a Photonlux e a Secretaria Estadual de Educação é assinado pela secretária Roberta Barreto e pela subsecretária de Gestão de Ensino, Joilza Rangel.
As duas são indicadas do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar.
Roberta era superintendente do programa RJ para Todos, subordinado à Secretaria de Governo, quando Bacellar era o chefe da pasta.
Joilza fez campanha para Bacellar abertamente, com direito a adesivo, foto, jingle em carro de som e até faixa.
A lealdade foi recompensada. O filho dela, Guilherme Abreu, foi nomeado em março no gabinete de Bacellar. O salário é de cerca de R$ 7 mil.
Livros
Até a última atualização desta reportagem, nenhum livro chegou às escolas. Assim, por enquanto não é possível saber a qualidade do material.
As publicações só começam a ser usadas no próximo ano.
E, em 2024, o estado que gastou mais de meio bilhão de reais em livros que poderiam ter sido obtidos gratuitamente, deve começar a ficar no vermelho.
De acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a previsão é de um déficit de R$ 3,6 bilhões nos cofres do Rio de Janeiro.
O que dizem os citados
A Secretaria Estadual de Educação afirmou que a secretária, Roberta Barreto, e a subsecretária de Gestão de Ensino, Joilza Rangel de Abreu, são profissionais efetivas e técnicas, além de plenamente qualificadas e capacitadas, com anos de experiência na área educacional.
O órgão informou ainda que Roberta Barreto foi nomeada pelo governador Cláudio Castro por ser professora e ter anos de experiência na área. Sobre Joilza Rangel, a secretaria informou que ela ocupa o cargo pela segunda vez. E que não é prudente nem coerente simplificar em indicações políticas quadros efetivos e técnicos da educação estadual.
A Secretaria Estadual de Educação também respondeu em nome de Diego da Silva Barreira. Segundo a secretaria, ele era funcionário terceirizado na Secretaria Estadual de Saúde na época da compra irregular de medicamentos sem licitação. E que não responde a processo relativo ao tema, apesar de citado, não tendo nenhum impedimento de exercer cargos. Ainda de acordo com a pasta, o servidor tem currículo com vasta experiência na área e, especificamente neste processo, realizou ampla pesquisa de mercado e robusta análise para comprovação de vantagens ao estado, conforme comprovado nos autos do processo administrativo.
O presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, do PL, disse que trabalhou ao lado da professora Roberta Barreto durante sua passagem pelo governo estadual. Nas palavras dele, reduzir a nomeação de uma mulher competente meramente a indicação política reforça preconceitos que devemos afastar, assim como qualquer tipo de conclusão sobre a professora Joilza Rangel que, de acordo com ele, tem um histórico exemplar, sem qualquer mancha.
Sobre Guilherme Abreu, Rodrigo Bacellar disse, “não podemos usar relações pessoais e profissionais para tentar criminalizar relações políticas”.
Guilherme breu não respondeu aos nossos questionamentos até a última atualização desta reportagem.
Nós não conseguimos contato com Gabriell Neves. Quando foi preso por corrupção na saúde, durante a pandemia, o ex-subsecretário confirmou ao Ministério Público que as propostas apresentadas pelas empresas foram fraudadas. Na época, a defesa do ex-subsecretário afirmou que houve constrangimento ilegal em sua prisão preventiva.