Obviamente que a proximidade com os Brazão e o assassinato de Marielle vai afastar eleitores mais a esquerda, especialmente no primeiro turno.
É de conhecimento geral que a política do Rio de Janeiro e o crime organizado mantêm uma relação de simbiose há décadas, talvez desde sempre. Contudo, na era dos bicheiros, prevalecia ao menos uma certa dose de respeito: nenhum banqueiro do bicho ascendeu a vereador, deputado ou conselheiro do Tribunal de Contas. Da mesma forma, traficantes não alcançaram tal audácia. Essa dinâmica se altera radicalmente com o surgimento dos milicianos, que passam a disputar cargos eletivos e figuram entre os mais votados, conhecidos publicamente, ainda que de maneira não oficial.
A prisão de Domingos e Chiquinho Brazão neste fim de semana, sob acusação de serem os mandantes do assassinato de Marielle Franco, é mais um episódio dessa história. A Câmara de Vereadores do Rio já tem antecedentes com a milícia, destacando-se o falecido Jerominho, miliciano e vereador, que tentava inserir sua filha na política. Isso sem mencionar aqueles nomes que todos suspeitam, mas ainda não podem ser confirmados.
Os Brazão, porém, distinguem-se pelo seu poder. Na capital, há um vereador Brazão (que, apesar de não ser parente, faz parte do grupo), um deputado estadual, um deputado federal e um conselheiro do Tribunal de Contas. Para qualquer político, ignorar tal influência eleitoral é difícil, especialmente com o domínio que possuem na região de Jacarepaguá, particularmente na Taquara, considerada o quartel-general do clã.
Eduardo Paes e o Clã Brazão
Todos os prefeitos e governadores do Rio tiveram alguma relação com os Brazão desde que surgiram na política. Mas nenhum deles é candidato à reeleição como Eduardo Paes (PSD), cuja situação se complica por querer mostrar uma luta contra as milícias, derrubando imóveis ilegais e em ações de ordenamento urbano. Isso cai por terra com os vídeos que passaram a circular desde a prisão de Domingos e Chiquinho.
No mais recente, já com várias denúncias contra Brazão, há 7 meses Paes participava do lançamento da pré-candidatura de Kaio Brazão, filho de Chiquinho Brazão. O local era o Merck, sub-bairro da Taquara, e além do prefeito, estava quase todo o clã e a subprefeita de Jacarepaguá Marli Peçanha.
Eduardo elogia a família dizendo: “Quem melhor representa Jacarepaguá, quem mais briga, é a família Brazão”, “Como a tradição não pode parar. Não quero nem saber, quem botou essa pilha fui eu. Chiquinho já está meio gagazinho, Pedro também, Dominguinho então, nem se fala. Aí falei: vamos colocar um moleque novo nessa história para ter energia, disposição, acordar cedo e dormir tarde”.
Na época Chiquinho ainda não era secretário Secretaria de Ação Comunitária, cargo que ocupou de outubro de 2022 a janeiro de 2023. Acabou sendo exonerado quando começaram as primeiras especulações sobre o assassinato de Marielle. Mas já havia os boatos e ainda assim Eduardo o nomeou.
No já infame vídeo em que uma série de xingamentos de Eduardo Paes levou ao pedido de Talita Galhardo, Paes diz que importa quem tem voto. E menciona a equipe de Brazão e que este tinha votos:
Essa proximidade acabou trazendo de volta uma antiga entrevista de Paes, antes de se eleger prefeito, em que comenta sobre a “Polícia Mineira“, futura milícia, como exemplo de que é possível combater o tráfico. Ele não elogia a milícia e, como ex-morador da Praça Seca, confirmo que o Morro São José Operário ficou muito mais pacífico após ela. Só que agora essa entrevista será usada para mostrar que Eduardo seria próximo da milícia
Os efeitos nas eleições 2024
No momento é difícil saber o quanto isso prejudicará, e se prejudicará, a campanha de Eduardo Paes em 2024. Ele estava sendo visto como um candidato de centro-esquerda, inclusive tentando mudar essa impressão. Obviamente que a proximidade com os Brazão e o assassinato de Marielle vai afastar eleitores mais a esquerda, especialmente no primeiro turno, mas estes já tenderiam a votar no Professor Tarcísio (PSol).
A questão é o tema Segurança Pública, um ponto fraco de Paes e que poderá ser explorado pelo Delegado Ramagem (PL). O Bolsonarismo saiu melhor da elucidação do crime, eram acusados de participação, de conluio com os milicianos. Como isso se mostrou falso, podem se mostrar como vítimas da maldosa mídia, etc. E o farão. O mesmo deve fazer Otoni de Paula (MDB), bolsonarista e que já vem antagonizando com Eduardo há meses.
Já Pedro Duarte (Novo) e Marcelo Queiroz (PP) podem aproveitar que ambos são jovens, dinâmicos e sem relação com o crime organizado. Resta saber se aproveitarão o momento para desgastar a imagem do atual prefeito.
Mas tudo isso depende da população, que pode não comprar a ideia de um Eduardo Paes ligado à milícia. Ou mais, pode não se importar, preferindo manter um governo que vem entregando.