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PMDB x PMDB: jogo da sobrevivência alimenta guerra na legenda

Batalha entre Renan Calheiros e Michel Temer é mais uma disputa fratricida num partido marcado por divergências. Entenda por que a Lava Jato está por trás da briga – e como ela favorece Dilma.

O ano é 1965. Por força da extinção do pluripartidarismo pelos militares, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) congrega os políticos de oposição ao regime. Inimigos tradicionais eram obrigados a se tolerar porque não dispunham de outras opções. A convivência desses diferentes setores dentro do partido, como se pode imaginar, não era harmônica.

O ano é 1985. O mineiro Tancredo Neves se elege presidente do Brasil pelo PMDB, em 15 de janeiro, por meio do extinto Colégio Eleitoral. Tancredo, porém, morre antes de tomar posse, dando lugar ao vice, o senador maranhense José Sarney, que trocou o PDS pelo PMDB para disputar as eleições. Mas a chegada ao poder não pôs fim às disputas internas na legenda. Enfraquecido por disputas fratricidas, o partido deixa o Planalto e passa a se dedicar nas décadas seguintes àquela que se tornou sua principal atividade: disputar cargos na imensa máquina do governo – qualquer governo.

O ano é 2015. Com a presidente Dilma Rousseff imersa numa crise política sem precedentes, o vice Michel Temer articula para a cada vez mais presente eventualidade de a titular ser afastada do poder. E nem mesmo a possibilidade de ocupar novamente o Palácio do Planalto é capaz de pôr fim às disputas internas na legenda. Em uma sigla enraizada nos grotões do país, os feudos de cada cacique pesam mais do que uma pretensa unidade nacional. Sucessor imediato de Dilma em caso de impeachment, Temer não apenas não é unanimidade entre os próprios peemedebistas. É o mais recente alvo na guerra interna na legenda.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), empoderado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento sobre o rito do impeachment, hoje se alia ao Planalto contra o próprio partido em busca de sobrevivência política. No começo de 2015 o quadro era bem diferente. Já listado pela Procuradoria Geral da República entre os possíveis beneficiários do dinheiro do petrolão, ele atribuiu o revés, por ação ou omissão, ao governo. A saída de Vinícius Lages, seu apadrinhado, Ministério do Turismo, fez com que Renan retaliasse. Ele encampou causas que iam contra os interesses do Executivo, como a concessão de autonomia ao Banco Central, e ameaçou derrubar a indicação de Luiz Edson Fachin para uma vaga no Supremo.

Mas Renan escapou do furacão da Lava Jato nos meses seguintes. E, embora a Polícia Federal e o Ministério Público continuem em seu encalço, ele parece acreditar que o apoio à presidente terá o condão de refreá-los. Uma aposta semelhante, protagonizada pelo correligionário Eduardo Cunha, falhou fragorosamente – e transformou Cunha em inimigo figadal de Dilma Rousseff. Mas Renan, talvez guiado por alguma forma de pensamento mágico, continua a jogar suas fichas na hipótese de que a Lava Jato não esteja blindada contra as tentativas de domesticação pelos políticos, como ela mostrou estar até agora. Por isso, nos bastidores, ele intensificou as articulações para derrubar Temer da presidência da legenda.

Até mesmo o nome do ex-presidente José Sarney foi ventilado como candidato à sucessão de Temer na convenção do partido, agendada para março. Outro nome aventado é o do senador Romero Jucá (RO), que se insurgiu contra Dilma nas eleições de 2014 e chegou a elaborar um programa partidário do PMDB para marcar o início do descolamento com o governo. “Todas as vezes que alguns grupos tentaram tirar o Temer nunca tiveram sucesso no voto dentro da convenção do PMDB. Todos aqueles que apoiaram Michel Temer venceram”, diz o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Em um recado a Renan, ele ataca: “Em Alagoas, por exemplo, o número de delegados para a convenção do PMDB é muito pequeno. Não são os Estados menores que conseguem decidir”. O deputado pró-impeachment Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos defensores de Temer, avalia: “Membros do partido começam a ver o impeachment não como uma causa em prol do país, mas como uma oportunidade em prol de cada um. O PMDB é um partido cuja força está nos Estados, então, logicamente, os Estados têm interesses conflitantes. Alguns precisam do PT, outros não. Isso acaba colocando o nacional em segundo plano”.

Desde o início da semana, detectando a movimentação de Renan, Temer agiu pessoalmente no setor que, acredita, lhe daria sustentação para ser confirmado para mais um mandato no comando do partido. Reuniu o PMDB fluminense e disse o óbvio: se quiser chegar ao poder, o partido deve começar o ano de 2016 unido. Participaram da reunião o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o presidente da Assembleia Estadual Jorge Picciani – cujo filho, Leonardo, o próprio Temer ajudou a derrubar da liderança do partido, manobra derrotada dias depois com a ajuda de Paes e Pezão. O enfraquecido governo Dilma aposta exatamente nas brigas fratricidas do PMDB como forma de sobreviver. Não é difícil entender a razão.

Renan x Temer


No dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) se preparava para definir como seria o processo de impeachment da presidente Dilma, Renan Calheiros e Michel Temer protagonizaram trocas mútuas de acusações sobre o papel do PMDB na crise político-econômica. A verborragia descambou para acusações de Renan de que o partido teria se tornado um “mero distribuidor de cargos”, replicando “o PT naquilo que ele tem de pior”. Na mesma noite, a artilharia continuou: o senador cogitou replicar o vice-presidente e repetir o notório ACM, comparando-o a um “mordomo de filme de terror”. De forma mais altiva, Temer disse que “o PMDB não tem dono nem coronéis”.

Temer x Picciani


Em retaliação ao líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), que atuou nas discussões sobre o impeachment alinhado com o Palácio do Planalto, Michel Temer utilizou sua força como presidente do partido para aprovar, na Executiva Nacional da legenda, uma resolução impondo que deputados federais só poderão se filiar à agremiação depois de aval da cúpula peemedebista. A ideia era barrar potenciais deputados que atuariam ao lado de Picciani em prol do governo Dilma Rousseff.

Picciani x PMDB


Em uma das mais virulentas demonstrações de apoio ao Palácio do Planalto, o líder do PMDB na Câmara Leonardo Picciani (PMDB-RJ) indicou para integrar a comissão especial do impeachment apenas peemedebistas contrários ao afastamento da presidente Dilma. A atitude pouco democrática do jovem deputado motivou um motim na legenda e o lançamento de uma chapa alternativa para a comissão, que é responsável por proferir um parecer prévio a favor ou contra a deposição de Dilma. As candidaturas avulsas acabaram vitoriosas no Plenário da Câmara, mas a votação foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal.

Picciani x Quintão


O racha entre os deputados do PMDB ganhou proporções de guerra quando parlamentares, com ingerência direta de Michel Temer, conseguiram assinaturas suficientes para derrubar o então líder Leonardo Picciani (RJ), aliado do Palácio do Planalto, e nomear o oposicionista Leonardo Quintão (MG) para o posto. O reinado de Quintão, no entanto, durou apenas oito dias. A brevidade da liderança foi resultado de uma intensa articulação do Palácio do Planalto em prol do aliado fluminense.

Renan x Temer


A tumultuada relação entre Michel Temer e Renan Calheiros chegou às raias do insustentável quando Temer, alçado ao cargo de articulador político do governo, pressionou para nomear o aliado Henrique Eduardo Alves para o Ministério do Turismo. Para abrigar Alves, derrotado na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte e investigado na Operação Lava Jato, o aliado de Renan, Vinicius Lages, teve de deixar o posto. Sem cargo, se abrigou na chefia de gabinete de Calheiros no Senado.

Renan x Cunha


Os presidentes do Senado e da Câmara entraram em rota de colisão após a tumultuada aprovação do projeto de lei que regulamenta a atuação de trabalhadores terceirizados no país, que permaneceu engavetado por doze anos. Defensor do texto, Eduardo Cunha aprovou a matéria em abril a contragosto do governo, mas esbarrou na resistência do Senado para ver a medida virar lei. Renan Calheiros se disse contra a proposta e deu sinais já em abril de que não iria colocá-la em votação. A retaliação de Cunha veio a galope: prometeu barrar matérias prioritárias dos senadores. Mesmo com a ameaça, o projeto da terceirização segue sem votação no Senado.

Cunha x Picciani


Entre as vitórias de Cunha na presidência da Câmara, estava, até pouco tempo, a eleição de um nome de confiança na liderança do PMDB. Leonardo Picciani (RJ) foi alçado ao comando da bancada peemedebista para ajudar Eduardo Cunha a ditar o ritmo da Casa e a pavimentar um amplo e multipartidário apoio à sua gestão. Em um ano que já prometia turbulências com o Planalto, o também carioca foi cacifado após votar pela ruptura da aliança do PMDB com o governo e fazer campanha pela eleição do tucano Aécio Neves à Presidência. Picciani e Cunha seguiam fieis escudeiros na Casa, até que o líder peemedebista se alinhou com a ala fluminense do partido, que é governista – e, portanto, beneficiária de vultuosos cargos -, e iniciou um divórcio com o presidente da Câmara. Nos bastidores, fala-se, inclusive, que Picciani já trabalha para assumir a cadeira de Cunha caso ele seja afastado. O presidente, em retaliação, trabalhou pela retirada de Picciani da liderança e pela resolução que restringiria a chegada de deputados ao PMDB para salvar Picciani.


Fonte: Veja