Site icon Rede TV Mais

MP consegue suspender na Justiça lei que permitiria legalizar construções em áreas de milícia

O projeto, aprovado em maio de 2019, mês seguinte à morte de 24 pessoas na queda de dois prédios ilegais na Muzema.

O Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), unidade do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), alertou que uma das mais leis de uso do solo aprovadas pela Câmara Municipal, na legislatura passada, abre caminho para a expansão ilegal da malha urbana em áreas dominadas pela milícia na Zona Oeste. Este foi um dos argumentos usados pelo MP-RJ para obter a suspensão da lei por meio de uma ação de representação de inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça.

A ação foi ajuizada contra a Lei Complementar nº 188, de autoria do então vereador Chiquinho Brazão (Avante), que permite a regularização de lotes onde existam edificações unifamiliares e bifamiliares e a posterior e imediata legalização da própria construção, com a flexibilização o Código de Obras. O projeto, aprovado em maio de 2019, mês seguinte à morte de 24 pessoas na queda de dois prédios ilegais na Muzema (Zona Oeste), é uma versão ampliada para toda a cidade das Leis Complementares nº 160 e nº 161, de dezembro de 2015, que ofereceram o mesmo benefício em edificações situadas nos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena e Itanhangá e nas XXIV (Barra da Tijuca) e XVI (Jacarepaguá) Regiões Administrativas.

A equipe do Gaema explicou, em nota, que a ação de inconstitucionalidade apresentou ao TJ simulações de cruzamentos das maiores concentrações de ocupações irregulares, de acordo com dados da Prefeitura do Rio, com os limites de unidades de conservação, de áreas de proteção de nascentes, lagos e lagoas e faixas marginais de proteção de mangues. No estudo, o Gaema se constatou que o maior vetor de ocupação irregular naquele momento estava voltado para a Área de Planejamento 5 da cidade, conhecida como Zona Oeste da Cidade, “região de notória influência da milícia”. De acordo com o MP, os estudos apontavam para riscos futuros decorrentes da flexibilização proposta pela Lei.

A expansão ilegal do Rio encontrou, nos últimos seis anos, acolhida em outras leia aprovadas pelo parlamento municipal. De 2015 a 2020, pelo menos quatro projetos de lei foram aprovados pela Casa com o propósito de reconhecer imóveis construídos irregularmente. Como a nova composição da Câmara, que elegerá no mês que vem a Comissão de Assuntos Urbanos, coração do assunto na Casa, forças que defendem medidas de restrição a esse avanço esperam mudar o jogo de forças e frear o vertiginoso processo de ocupação clandestina da cidade.

Além da Lei Complementar nº 188 e de suas antecessoras, as Leis nº 160 e nº 161, a Câmara aprovou em agosto passado i Projeto de Lei Complementar nº 174, que dispõe sobre incentivos para licenciamento e legalização de construções e acréscimos nas edificações, conhecida como a “Lei do Puxadinho”. O objetivo do projeto, defendeu o então prefeito Marcelo Crivella, era o de aumentar a arrecadação para fazer frente à pandemia do Covid, mas a oposição o considerou um caminho disfarçado para a legalização da ilegalidade.

A usina dessas decisões polêmicas ocupou, nos últimos anos, a Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara. Na última legislatura, a comissão foi presidida por Chiquinho Brazão e por Marcelo Siciliano (vice), dois vereadores com redutos eleitorais estabelecidos em locais de expansão ilegal e presença de milícias na Baixada de Jacarepaguá. A futura composição do grupo, cuja eleição está prevista para a primeira semana legislativa (de 18 a 25 de fevereiro, vai depender da costura a ser feita pela Mesa Diretora.

Nos últimos anos, para o acordo de composição de todas as comissões, o Executivo sempre impediu a presença da oposição na comissão e, ao mesmo tempo, negociou o apoio dos vereadores que defendiam a flexibilização do Código de Obras, numa espécie de “toma lá dá cá”. Desta vez, com uma discreta redução do número de vereadores ligados à construção informal, a oposição espera eleger um dos três integrantes.

A procuradoria da Câmara recorreu contra a decisão do TJ-RJ, pedindo que a lei entre em vigor. O presidente da Casa, Carlo Caiado, embora afirme que votou contra a 188, explicou que a Câmara entrou com recurso porque o projeto foi aprovado obedecendo às exigências legais. Ele explicou que o tema tem dimensões técnicas e políticas:

Fui contra, mas tenho de respeitar a maioria.

Fonte: Jornal Extra