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Milícia teria olheiros para monitorar movimentação de delegacias no Rio

Qualquer diligência contra a milícia tem sido vazada no momento em que viaturas saem da Cidade da Polícia.

Milicianos que atuam nas zonas Norte e Oeste do Rio são suspeitos de criar uma rede de olheiros para monitorar a movimentação de policiais civis e militares que atuam nas regiões dominadas por eles. Um inquérito foi aberto no fim de junho deste ano pela 29ª DP (Madureira) após a prisão de um homem, em frente à delegacia, acusado de vigiar os passos dos agentes da unidade para um grupo de paramilitares.

A atitude de Felipe de Farias Silva, de 27 anos, chamou a atenção dos policiais. Quando foi abordado, ele já estava há quase uma hora na frente da 29ª DP, mexendo em seu telefone celular e aparentemente fotografando a entrada da delegacia. Em depoimento, o homem acabou admitindo que estava monitorando os policiais para milicianos que atuam em Campinho. Segundo informações da polícia, Felipe estava mandando fotos e informações da movimentação de viaturas da delegacia em um grupo de WhatsApp. Após o envio, ele apagava as mensagens.

Ainda em seu depoimento, Felipe relatou que é mototaxista e recebeu ordem de um homem, que ele afirma ser miliciano, para monitorar a delegacia. Ele disse que não recebeu nenhum pagamento pelo serviço e alegou ser a primeira vez que fazia aquilo. A polícia, no entanto, não acredita nessa versão e aponta Felipe como olheiro do grupo. Ele foi autuado em flagrante pelo crime de constituição de milícia privada, que tem pena de quatro a oito anos de prisão. O homem já foi denunciado pelo Ministério Público e virou réu em processo na Justiça.

A suspeita da Polícia Civil é de que no mesmo dia da prisão de Felipe, um segundo homem monitorava a 28ª DP (Praça Seca). O objetivo, apontam as investigações, era acompanhar os passos dos agentes enquanto milicianos cobravam taxas na região. A intenção era de evitar que os paramilitares fossem surpreendidos durante o recolhimento do dinheiro. Há suspeitas de que a milícia também monitore a movimentação de policiais militares e de quadrilhas rivais na área.

Naquele dia, no entanto, os olheiros acabaram falhando. Na ocasião, um homem foi levado por policiais militares para a 27ª DP (Vicente de Carvalho), delegacia que é a central de flagrantes da área, sob suspeita de estar fazendo cobranças de taxas de segurança de milicianos em Cascadura, na Zona Norte, bairro vizinho à Madureira. No entanto, como não havia mandado de prisão em aberto contra o homem e nenhuma vítima foi para a delegacia, ele acabou liberado. O homem suspeito de monitorar a 28ª DP conseguiu escapar.

A milícia que atua nas comunidades do Campinho, Pombal e Fubá é chefiada por Edmilson Gomes Menezes, conhecido como Macaquinho, Leonardo Luccas Pereira, o Leleo e Diego Luccas Pereira, o Playboy. Os criminosos também comandam comunidades na Praça Seca, na Zona Oeste.

Liberdade concedida

Felipe teve a prisão em flagrante convertida em preventiva pela Central de Custódia em 26 de junho, um dias após ter sido preso. Duas semanas depois, ele foi solto a pedido da defesa. O desembargador Paulo Baldez, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, substituiu a prisão por medidas cautelares. No pedido de liberdade para Felipe, os advogados afirmaram que o “simples fato de observar e monitorar viaturas não constituiu prática delituosa, ainda mais porque os referidos fatos sequer foram feitos de forma clandestina”.

O advogado Alberico Montenegro, que representa Felipe, afirmou que ele trabalha no mototáxi local e afirmou ser prematuro acusá-lo de ser membro da organização criminosa. Em sua decisão, o desembargador Paulo Baldez entendeu que não era caso de manter a prisão de Felipe, mas afirmou que não cabia, no habeas corpus, avaliar as teses apresentadas pela defesa. Para o magistrado, tais alegações deverão ser esclarecidas durante as provas produzidas ao longo do processo.

‘Salve virtual’

De acordo com o delegado titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), William Pena Junior, os milicianos adotam uma espécie de “salve virtual”para avisar sobre a movimentação da polícia. Segundo ele, quando as viaturas policiais saem em direção a áreas dominadas pela milícia, são fotografadas e filmadas e os arquivos, enviados em grupos com centenas de participantes.

Qualquer diligência contra a milícia tem sido vazada no momento em que viaturas saem da Cidade da Polícia ou do prédio onde fica estabelecida a sede da DRACO, oportunidade que os “olheiros” informam em tempo real, através de grupos de WhatsApp, sobre a movimentação das equipes. Isso demonstra que a organização criminosa utiliza a tecnologia a favor do crime, sendo esta conduta nefasta para nossas ações e tão nociva quanto aquele que pega num fuzil e parte para o confronto – explica William, ressaltando ainda que a lei 12.850/13, que disciplina o crime de organização criminosa, prevê a punição de quem integra o grupo ou, de qualquer forma impede ou atrapalha investigação a respeito da organização.

Ligações revelam monitoramento

Uma investigação da Draco revelou o monitoramento das ações da Polícia Civil feita por outro grupo de milicianos, esse chefiado por Wellington da Silva Braga, o Ecko. Ligações telefônicas interceptadas com autorização da Justiça demonstraram a atuação de olheiros da quadrilha.

Em uma ligações interceptadas, um homem identificado como Isaque de Moura Penha, o Magrinho, liga para um comparsa para avisar sobre a movimentação de viaturas da Delegacia de Homicídios na Estrada da Pedra, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, e demonstra preocupação com a apreensão de armas que eram guardadas por ele. “O Jacaré ligou aqui e falou que daqui a pouco tão direcionando para aqui pra (favela da) Reta, hein? As paradas ‘tá’ (sic) tudo aqui em casa, mané. Daqui a pouco tu vem pra cá, tira essa parada daqui”, diz.

Magrinho e outros sete comparsas foram condenados em julho do ano passado por integrarem a milícia do Ecko. Além de Santa Cruz, o grupo criminoso atua em Campo Grande, Paciência, Sepetiba, também na Zona Oeste, e ainda na Baixada Fluminense, para onde os paramilitares têm se expandido cada vez mais nos últimos anos.

Esquema mais sofisticado

Na Baixada, uma das vias vigiadas pelos grupos é a BR-465, a antiga estrada Rio-São Paulo, onde criminosos fazem rondas em diversos turnos. A prática da utilização de olheiros também é bastante utilizada pelo tráfico de drogas. Para a promotora Elisa Ramos Pittaro Neves, que atua na Baixada, a organização dos milicianos, que se autodenominam de firma, é bem mais sofisticada.

Na Baixada temos diversos grupos de milicianos que são pequenas células da quadrilha do Ecko (Wellington da Silva Braga) e são todos aliados. Os grupos são bem escalonados, organizados, cada um tem sua função, com hora de trabalho e até uniforme. É bem mais sofisticado do que o tráfico, que coloca na maioria das vezes uma criança para vigiar as entradas (da comunidade) analisa a promotora.

Outra investigação

No dia 13 de julho deste ano, em outra investigação, dois homens foram presos pela Draco no bairro Jesuítas, em Santa Cruz, após fotografarem uma viatura da delegacia que fazia diligências na localidade. Wagner da Silva e Adriano de Souza foram acusados de serem olheiros do chamado “Bonde do Ecko”. A dupla chegou a ser denunciada pelo Ministério Público do Rio pelo crime de constituição de milícia privada. No entanto, a juíza Juliana Benevides, da 1ª Vara Criminal Especializada, não recebeu a denúncia e arquivou o caso.

Na decisão, a juíza afirmou que apesar de terem sido encontradas fotografias da viatura da polícia no celular de Adriano, nada de ilícito foi encontrado com ele. Em relação a Wagner, segundo a magistrada, não houve descrição de sua conduta no flagrante, estando ele apenas na companhia de Adriano. O inquérito foi arquivado, e a dupla, solta.

Essa foi a segunda vez este ano que Wagner foi preso acusado de ser olheiro da milícia no Jesuítas. No entanto, a Justiça também rejeitou a denúncia do MP contra ele, alegando que as provas usadas contra ele eram ilícitas. Wagner foi solto e o caso, arquivado.

Fonte: Jornal Extra