De um total de 2.657 carros policiais, 990 encontram-se parados, à espera de manutenção.
Mais de um terço das viaturas dos batalhões da Polícia Militar estão paradas por falta de manutenção, de acordo com dados do Conselho Nacional do Ministério Público, obtidos com exclusividade pela reportagem. Os números foram coletados a partir de inspeções de promotores às 39 unidades responsáveis pelo policiamento ostensivo do estado em maio deste ano. De um total de 2.657 carros policiais, 990 encontram-se parados, à espera de manutenção. Ou seja, 37,2% da frota, o que compromete o policiamento adequado. É o que mostra o segundo capítulo da série ‘Rio sem Polícia’, que aponta os problemas logísticos e de efetivo que contribuem para a falta de segurança enfrentada pela população do estado.
O batalhão de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, é o que mais sofre pela falta de carros. No dia 9 de maio, data da inspeção, das 183 viaturas, 120 (65%) estavam indisponíveis por problemas mecânicos. Por ironia, Campos é o único município que possui efetivo muito acima do considerado ideal pela própria corporação, conforme mostrou a reportagem de domingo. O batalhão possui 355 PMs a mais para realizar a segurança na cidade, mas faltam carros para o patrulhamento. Atualmente, o efetivo de PMs no estado está 40% abaixo do ideal.
Além de Campos, outras cinco unidades estão com mais de 50% das viaturas “baixadas”. São elas: Duque de Caxias , Copacabana (Rio), Magé, Resende e Belford Roxo. Outros 15 batalhões estão com mais de 40% dos carros parados. Desde 2007, a PM tinha um contrato de reposição de veículos com a empresa CS Brasil. Caso um carro policial ficasse na oficina, ele seria reposto em 48 horas por outro da empresa. No entanto, o contrato em novembro do ano passado não foi renovado por falta de verba.
Agora, comandantes recebem uma verba da própria PM e têm que barganhar com donos de oficinas os preços e as datas de entrega dos carros. Outros, encontraram soluções mais criativas, como o 33º BPM ( Angra dos Reis). Há três meses foi feito um acordo com o Ministério Público de Paraty: quem cometer uma infração leve poderá substituir a multa por latas de óleo de motor ou peças automobilísticas entregues diretamente na unidade.
Para Ignácio Cano, sociólogo do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, a falta de um contrato público resulta em um tipo de privatização da segurança. “É uma situação de extrema gravidade, pois haverá busca e negociação direta na iniciativa privada para resolver os problemas mecânicos. Com isso, abre-se uma janela para a troca de favores. A viatura poderá ficar na porta de quem paga mais”, opinou.
Por conta da crise, a manutenção dos blindados dos batalhões de Irajá e Pavuna, desde janeiro, é feita pelo Sindicato de Empresas de Transporte de Cargas. A promotora Gláucia Santana, integrante do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do MP, lembrou que em julho de 2015 foi firmado um termo de ajustamento de conduta (TAC) que prevê o incremento de investimentos por parte do governo na segurança pública, especialmente na Polícia Militar, com o aporte de R$ 4 bilhões ao longo de seis anos. “Mas ainda não podemos cobrar efetivamente os recursos, pois o prazo ainda não findou. Estamos de mãos e pés atados e a situação é preocupante”, disse.
Procurada, a Polícia Militar informou que um processo de licitação para a compra de viaturas já se encontra na Casa Civil do governo do estado para a aprovação. O contrato prevê, além de manutenção dos carros existentes, a aquisição de outros 750 veículos. No entanto, a licitação precisa de verba para ser oficializada.
Sensação de insegurança
Moradores e turistas percebem a falta de viaturas em circulação. “Infelizmente só vemos com frequência viaturas policiais quando acontece algo. Na Praça Saeñs Pena, onde moro, sabemos de assaltos diariamente. Felizmente, não fui assaltada, mas a sensação é de insegurança constante. Sei que ter viatura perto pode não garantir sempre, mas a sensação que dá é que ficamos mais seguros, sim”, disse a professora Sônia Travassos, de 53 anos, moradora da Tijuca.
“Hoje estou passeando aqui na Praia do Arpoador com minha esposa e só vi viatura em Copacabana. A gente visita o Rio há dez anos e nunca vimos assim, quase sem policiamento rodando. Sabemos que não se trava a violência sem ações efetivas”, afirmou o turista Edgar Correia, 60, engenheiro. Sua mulher, Maria Correia, 60, teve a mesma percepção. “Só vi guarita, não havia uma viatura em todo trajeto na noite que chegamos. Me senti bem insegura”, afirmou.
O povo fala
“É uma situação de extrema gravidade. Com isso (negociar apoio com empresas), abre-se uma janela para a troca de favores. A viatura poderá ficar na porta de quem paga mais’’
Ignácio Cano, sociólogo do Laboratório de Violência – Uerj
“Na Praça Saeñs Pena, sabemos de assaltos todo dia. Sei que ter viatura perto pode não garantir sempre, mas a sensação que dá é que ficamos mais seguros, sim”
Sônia Travassos, professora e moradora da Tijuca
“Eu e minha esposa visitamos o Rio há dez anos e nunca vimos assim, quase sem policiamento rodando. Sabemos que não se trava a violência sem ações efetivas”