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G20 fecha cerco contra ‘brechas’ usadas por multinacionais para pagar menos imposto

Plano busca coibir práticas que multinacionais usam para diminuir tributos e transferir lucros.

Enquanto o Brasil discute, por exemplo, a possível responsabilidade de multinacionais no caso do desastre ambiental de Mariana (MG), a cúpula do G20 na Turquia promete começar pôr em prática uma mudança radical que deverá fazer que essas corporações paguem mais impostos globalmente.

Espera-se que os líderes das 19 economias mais poderosas e da União Europeia deem o aval para a largada de um plano de ação contra práticas  artificiais ou por meio de lacunas na legislação  que multinacionais usam para diminuir sua base tributável ou transferir lucros para filiais em paraísos fiscais.

Após o G20 se tornar uma cúpula de líderes, na crise econômica de 2008-09, um dos objetivos passou a ser justamente redesenhar a arquitetura financeira internacional para tentar “domar” o capital que circula pelo mundo e avançar na chamada “tributação dos ricos”.

A estimativa da OCDE (organismo que reúne sobretudo países desenvolvidos) é que as corporações transnacionais deixem de pagar US$ 240 bilhões por ano, ou 10% da receita global de impostos, por meio de estratégias agressivas de planejamento tributário. Que podem ser ilegais, mas na maior parte dos casos usam brechas nas regras locais.

A pedido do G20, a OCDE coordenou uma consulta que reuniu 12 mil páginas de comentários e 1,4 mil contribuições para 23 esboços de discussões e documentos de trabalho. A proposta, encomendada pelo G20 na cúpula de São Petersburgo (Rússia) de 2013, ficou pronta no mês passado.

São 15 eixos de ações que abrangem, por exemplo, a restrição ao endividamento entre subsidiárias de uma mesma empresa no exterior, para evitar operações de evasão fiscal.

Há também regras para transferências de bens, serviços e propriedade intangível, como marcas e patentes, dentro da mesma corporação. Em suma, trata-se de fechar o cerco às brechas que permitem a algumas empresas desviar, artificialmente, rendimentos para locais com pouca ou nenhuma atividade econômica real.

“Esperamos que o G20 dê um forte apoio ao pacote BEPS (sigla em inglês para erosão da base tributável e desvio de lucros, as práticas que o projeto quer combater) que entregamos. E, ao mesmo tempo, apoio para os próximos passos, relacionados principalmente à implementação e desenvolvimento de um quadro para monitorar essa implementação”, disse à BBC Brasil o chefe do projeto BEPS, Raffaele Russo, da OCDE.

BEPS e Brasil

Embora o tempo de criação do plano  dois anos – tenha sido ousado pelo calendário diplomático, colocar em prática esse cerco à evasão fiscal por multinacionais não será tarefa simples.

No caso do Brasil, como em outros países, implicará modificação de acordos de bitributação, leis e práticas administrativas.

“Depende do tipo de medida. Em alguns casos são apenas praticas administrativas que terão que ser modificadas, e várias dessas coisas vão na direção do que o Brasil já defendia”, afirmou à BBC o embaixador Carlos Cozendey, principal negociador do país no G20.

O que está na mira do BEPS no Brasil é um benefício fiscal criado no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para distribuição de lucros das empresas.

Por esse instrumento, em vez de usar o tradicional pagamento de dividendos, empresas remuneram acionistas por meio do chamado JCP (juros sobre capital próprio). O pagamento é contabilizado como despesa, o que reduz gastos com Imposto de Renda e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

Já há uma medida provisória tramitando no Congresso, no pacote do ajuste fiscal, que busca limitar a dedução de JCP para fins tributários, e a OCDE é clara ao enquadrar o beneficio brasileiro entre os tipos de “instrumentos financeiros híbridos” que deverão ser extintos.

“Não sou especialista em legislação tributária brasileira, mas, baseado em meu conhecimento sobre os juros sobre o capital próprio, eles provavelmente seriam enquadrados em regras a serem criadas a partir das recomendações do BEPS”, afirmou Russo, chefe do projeto.

O setor privado participou das discussões do plano, mas no Brasil ainda há reticências sobre o impacto das possíveis mudanças na vida das multinacionais.

“Ainda existem muitas dúvidas”, afirmou José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégias da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Ele diz que o setor só terá um posicionamento mais claro após um seminário para discutir o tema ainda neste mês.

Isso não impede que críticas ao plano BEPS já circulem no Brasil, como aquelas que apontam interferência excessiva em assuntos internos. A OCDE rebate apontando a relevância, para os países em desenvolvimento, dos impostos sobre o rendimento das multinacionais.

Fim do sigilo bancário

Um tema paralelo ao BEPS, mas com mesmo objetivo de cooperação fiscal, é a Troca Automática de Informações Tributárias, que promete dificultar cada vez mais a ocultação de dinheiro no exterior.

Embora a proposta tenha sido firmada pelo Brasil em cúpula do G20 de 2011, o governo já avisou que só poderá tirá-la do papel em 2018. E, ainda assim, se o Congresso aprovar a convenção multilateral sobre o tema, o que ainda não ocorreu.

No final de outubro, Russo, da OCDE, esteve no Congresso com outros colegas e fez apelo pela ratificação ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado pelo Ministério Público de manter contas não declaradas na Suíça.

O novo padrão global de troca de informação entre bancos implicaria, por exemplo, o recebimento automático de dados sobre contas de brasileiros no exterior e taxação sobre dinheiro não declarado. A operação Lava Jato, por exemplo, que investiga Cunha, não precisaria depender de acordos com o Judiciário de outros países.


Fonte: BBC