Intercâmbio histórico entre indígenas do Amapá e pescadores do Rio reforça resistência frente às políticas expansionistas e à exploração ambiental.
Por: Antonio Alexandre, jornalista-RedeTv+
A Praia de Mauá, na Baía de Guanabara (RJ), se transformou entre os dias 13 e 18 de outubro em um território simbólico de resistência e esperança. Pela primeira vez, lideranças indígenas do Oiapoque (AP) e pescadores artesanais e caiçaras do Rio de Janeiro se reuniram para um intercâmbio intercultural e político que colocou em pauta o futuro dos territórios tradicionais, a defesa da vida e o direito de decidir sobre o próprio modo de existência.
O encontro, intitulado “Do Oiapoque a Mauá: a luta pelo território e a escolha da existência”, reuniu representantes do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), do Coletivo da Rede AHOMAR — que articula comunidades pesqueiras da Baía de Guanabara —, além de entidades como o Instituto Brasileiro de Direito Ambiental (IBDA) e o Instituto de Desenvolvimento Socioambiental e Humano (ONGBR), AMUPESCAR, APAP, SINDPESCA-RJ e Núcleo dos Pescadores da Ilha de Itaóca.
Entre os líderes indígenas presentes estavam os caciques Edmilson, Miguel, Cristiano, Guizel e Henrique, além de Julio Garcia lider dos pescadores do Oiapoque, Estefany do Instituto Iepé e Rodrigo do IBDA. Do lado fluminense, o evento contou com a coordenação de Alexandre Anderson, dirigente da Rede AHOMAR, e com a presença de representantes de comunidades pesqueiras tradicionais da Baía de Guanabara, que convivem há décadas com os efeitos da degradação ambiental e da expansão industrial sobre seus territórios.
TERRITÓRIOS EM CONFLITO E UM GRITO PELA VIDA
A agenda conjunta foi marcada por trocas de saberes, debates e articulações políticas em torno dos impactos da exploração de petróleo offshore, dos projetos de expansão portuária e industrial e das políticas de “desenvolvimento” que frequentemente ignoram as populações tradicionais.
Durante visitas técnicas à Baía de Guanabara, os participantes puderam observar in loco os desafios enfrentados pelos pescadores e discutir estratégias de monitoramento comunitário e mecanismos de resistência. Uma das atividades centrais foi o lançamento da plataforma “De Olho na Guanabara”, ferramenta de vigilância ambiental colaborativa que visa dar visibilidade às denúncias de poluição, impactos de empreendimentos e violações de direitos.
A comitiva também esteve na sede do IBAMA-RJ, em encontro com o Superintendente da instituição-RJ, Rogério Rocco, onde dialogou com gestores sobre a necessidade de fortalecer o controle ambiental participativo e de ouvir as comunidades antes da aprovação de novos licenciamentos, especialmente os relacionados à exploração de petróleo e gás na costa brasileira — tema que ganhou destaque nacional após a liberação de licenças exploratórias na Foz do Amazonas.
UM DOCUMENTO HISTÓRICO RUMO À COP30
Como resultado do intercâmbio, foi elaborado um documento político conjunto com recomendações e demandas dos povos indígenas e pescadores. O texto, que será apresentado na COP30, em Belém (PA), denuncia os efeitos da marginalização das comunidades tradicionais nas decisões governamentais e reafirma o direito ao território, à autodeterminação e ao equilíbrio ambiental.
O documento também defende que políticas públicas e planos de desenvolvimento só serão legítimos quando construídos de forma coletiva e respeitosa, garantindo a participação efetiva das populações que vivem e preservam os ecossistemas costeiros e ribeirinhos.
Link do documento na íntegra. DENA_NCIA_IBAMA_VERSAo_FINAL_assinado.pdf
DIÁLOGO INTERCULTURAL COMO CAMINHO PARA O FUTURO
O intercâmbio “Do Oiapoque a Mauá” simboliza a conexão entre a Amazônia e o Sudeste, unindo povos que, embora geograficamente distantes, enfrentam ameaças semelhantes — desde a destruição ambiental até a invisibilidade política.
A experiência reforça que o diálogo intercultural e a incidência política conjunta são caminhos indispensáveis para enfrentar o modelo de progresso que avança sobre territórios sem ouvir seus guardiões.
Como sintetizou um dos organizadores, “a resistência não é só um ato de defesa, mas de existência. É a afirmação de que o desenvolvimento verdadeiro deve incluir quem vive da terra, da água e da natureza”.
UM ALERTA ÀS POLÍTICAS UNILATERAIS
Em tempos em que decisões governamentais sobre energia, meio ambiente e infraestrutura seguem sendo tomadas de forma unilateral, o encontro na Baía de Guanabara soa como um alerta coletivo. Ignorar a voz dos povos originários e dos pescadores artesanais pode gerar consequências irreparáveis — não apenas para suas comunidades, mas para todo o país.
A luta que começou “do Oiapoque a Mauá” ecoa agora como um chamado pela vida, pela natureza e pela dignidade de escolher o próprio destino.