Eduardo Paes, que busca se manter no cargo, tem dado especial atenção ao assunto e pode enfrentar um delegado nas urnas.
Tema sempre em debate nas esferas estadual e federal, a segurança pública desponta como assunto principal nas eleições deste ano, para a renovação do Legislativo e do Executivo no município. Um indício disso é o comportamento recente do prefeito Eduardo Paes (PSD), que busca a reeleição e, nas redes sociais, desde o início do ano, já abordou questões de segurança em pelo menos três ocasiões: denunciou cobrança de dinheiro pelo tráfico para liberar obras do Parque Piedade, na Zona Norte. Ele voltou às redes protestando contra o assédio a que moradores do Jardim Botânico, na Zona Sul, estariam sendo submetidos, com propostas de serviço de segurança privada. E na terça-feira, decretou, no Diário Oficial, o fim da Feira de Acari, reduto de produtos de origem suspeita. O funcionamento, no entanto, já era irregular, como o próprio decreto destaca.
Inevitavelmente acaba entrando também no debate municipal. Quanto mais grave a situação da segurança estiver numa determinada cidade, mais esse tema deve ganhar relevância.
Umas das estratégias de Paes está em cobrar um maior posicionamento em temas relacionados à segurança. Um exemplo é a busca em ampliar a divulgação de ações de prisão feitas pela Guarda Municipal. O secretário municipal de Ordem Pública, Brenno Carnevalle, diz que a área necessita de integração.
A segurança é tema importante para a cidade. É uma necessidade ter soma de forças e integração de órgãos para que a gente alcance melhores índices afirma.
Feira é patrimônio imaterial por lei
Proibida pela prefeitura do Rio, a Feira de Acari, na Zona Norte, é patrimônio imaterial da cidade por uma lei aprovada em 2022. O projeto foi de autoria do vereador Celso Costa (Republicanos) e passou pelo crivo da Câmara por três vezes: na sua aprovação em duas sessões e na derrubada do veto. Ao justificar a proposta de 2021, Costa diz no PL que a feira fomenta a economia local e tem como atrativo “a variedade de preços e de produtos, que em um quilômetro e meio de comprimento, possui barracas que oferecem de acessórios para celular a produtos de beleza, roupas e comida”.
Em abril de 2022, o projeto foi aprovado no plenário da Câmara em duas discussões com votações por aclamação. Nenhum parlamentar registrou voto contrário. O projeto foi enviado para análise do prefeito Eduardo Paes, que vetou a proposta por “vícios de inconstitucionalidade e de injuridicidade” do texto. Ao voltar à Câmara, o veto foi derrubado, por 30 votos favoráveis e uma abstenção, e se tornou lei.
Derrubar esse veto é de suma importância para todas as pessoas que dependem da Feira de Acari para levar o seu pão de cada dia para casa. É uma feira tradicional na Zona Norte aonde tenho dezenas de amigos que ali trabalham há mais de 20 anos. Estão levando o seu sustento para dentro da casa disse Celso Costa no plenário quando o veto foi derrubado.
Procurado após o anúncio da proibição, o vereador ressaltou que a feira funciona na região há 40 anos e gera renda e desenvolvimento para Acari.
“Não podendo ser generalizado que todos os trabalhadores comercializam produtos de roubo e furto. Ali há feirantes que vendem frutas, legumes, peixes, que dependem disso para sustentar suas famílias. Caberia aos órgãos fiscalizadores o empenho em coibir produtos de procedência duvidosa, apreendendo-os, e dando a devida destinação, e não prejudicar centenas de trabalhadores que buscam seu sustento de forma digna e procedência lícita”, defende Costa.
Em nota, a Câmara do Rio diz que “as leis de patrimônio imaterial não têm relação direta com licenças ou autorizações concedidas pelo Executivo. Tratam-se de instrumentos para reconhecer tradições ou práticas históricas na cidade do Rio. O veto do prefeito, à época, falava sobre a competência para incluir práticas como patrimônio imaterial, que o conjunto dos vereadores entendeu não se aplicar ao caso.”
Proibição e atuação das polícias
O governador Cláudio Castro anunciou que as polícias Civil e Militar vão atuar junto à prefeitura do Rio para coibir o funcionamento da feira de Acari, que foi proibida nesta terça-feira. Nesta quarta-feira será feita uma reunião entre a Polícia Militar e o município do Rio para alinhar as estratégias. A comercialização de produtos e de animais na feira de Acari é investigada pela Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) e pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA)
Não admitimos o comércio ilegal ou a dúvida sobre o origem de produtos. Para isso, daremos todo o suporte necessário por meio das nossas secretarias de Polícia Militar e de Polícia Civil disse Castro.
Feira proibida
A Prefeitura do Rio publicou nesta terça-feira o decreto que proíbe o funcionamento da Feira de Acari, na Zona Norte da cidade. O prefeito Eduardo Paes já havia anunciado na tarde de segunda-feira, que o comércio popular, apelidado de “roubatudo”, não tinha autorização para funcionar e seria interditado. Paes também apontou que os produtos vendidos na feira são adquiridos e comercializados a partir do crime organizado.
Prefeitura apontou que, segundo um levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em 2023, trinta porcento dos roubos de carga no Brasil se concentraram no estado, somando 3.225 casos. Também segundo a Firjan, em 2022, o Rio sofreu prejuízo de quase R$ 390 milhões no que se refere ao roubo de cargas.
A medida procura o combater a comercialização de produtos sem procedência, assim como ao crime organizado no que se refere ao roubo de cargas e comercialização de produtos roubados.
A ocupação que acontece ali do espaço público é ilegal, prejudica o funcionamento da cidade, o fluxo de pedestres. A gente recebe reclamações, inclusive, de quem mora e transita pela Avenida Martin Luther King. A pessoa que entende que comercializa produtos de origem legal pode procurar a prefeitura, que faremos o cadastro e procuraremos um local para que ela trabalhe. Mas o que vimos através do nosso trabalho de inteligência (inclusive documentado) é uma comercialização de produtos fruto do roubo de carga explicou o secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale.
No decreto, a administração municipal afirma também que a feira não é autorizada e que os relatórios de inteligência da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) registraram a sua ligação com organizações criminosas envolvidas com o tráfico de drogas, roubo de carga, furto de energia e contrabando:
Não há ninguém autorizado a trabalhar naquela localidade. Mas o foco principal é contribuir com a segurança, já que os produtos ali vendidos funcionam como uma engrenagem para a criminalidade afirma Carnevale.
Em nota divulgada nesta terça-feira, a Seop afirmou já ter solicitado “às forças policiais a realização de operações para garantir a determinação do Prefeito Eduardo Paes que proibiu a realização da Feira da Acari”.
Vendas na feira
Segundo a prefeitura, o comércio funcionava ilegalmente diariamente. No local, eram comercializados eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos, animais silvestres, alimentos não perecíveis, medicamentos, calçados, venenos para ratos, bem como roupas de lojas de departamento pela metade do preço que consta na etiqueta.
A Secretaria de Ordem Pública (Seop) aponta também que há no local estacionamento irregular que impede a fluidez do trânsito na Av. Pastor Martin Luther King Jr., que ocupa uma faixa da via, dificultando a passagem dos pedestres. Além disso, funcionam ainda quiosques irregulares, barracas de churrasco que operam sem o devido regulamento sanitário, banheiros químicos e food trucks, com mesas espalhadas.
Temos ali pessoas que, de fato, não vendem a princípio mercadorias que são roubados ou desviadas. Mas o que percebemos é que o grande movimento se dá, justamente, por conta desse atrativo para as pessoas que querem pagar em uma televisão que, na loja, custa X e querem pagar um terço de X explica o secretário, que conclui:
Então, fica difícil entendermos que a feira é lícita, enquanto a grande questão para ela funcionar com o movimento que funciona, são essas mercadorias fruto do roubo de carga.
Fiscalização em outros pontos
De acordo com Carnevale, a prefeitura planeja a fiscalização de outros pontos onde produtos provenientes do roubo de cargas possam ser comercializados. Segundo ele, pontos como os calçadões de Campo Grande e de Santa Cruz, ambos na Zona Oeste do Rio, já contam com trabalhos constantes de monitoramento por equipes da Seop:
Temos dados de um aumento de vendas do comércio formal e do próprio ambulante legalizado de cerca de 30%. Então, o que a gente faz é moralizar o espaço público e fazer com que a prefeitura seja a única responsável pelo chão. Nosso grupo de planejamento já faz um trabalho de inteligência para a gente chegar e ficar.