Democracia e Ordem Social. O crime e o ‘Poder Paralelo.’ (Artigo)

Que os adversários da democracia qualifiquem segurança como truculência. Para nós, segurança significa estabilidade de expectativas positivas.

Entre os anos 70 e 80 do século XX, notícias de uma guerra contra as drogas em grande escala começaram a ganhar cena das manchetes jornalísticas. Na arena política, o crescimento do narcotráfico é usado tanto para explicar a violência urbana, quanto para justificar as intervenções políticas e militares nos países da periferia sistêmica, justificando, ideologicamente, sua incapacidade em apresentar soluções para o grave problema.

No plano internacional, o assunto que gira em torno do poder visível das empresas da economia ilícita dedicada à produção e distribuição de drogas, conhecidas como carteis, ganhou proporções
gigantescas, a ponto de tornar-se pauta nas discussões sobre segurança internacional de organismos supranacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).

Estado, Crime organizado e território

No plano nacional, a venda de drogas no varejo é a principal fonte de renda das organizações criminais locais. O comércio direto com os consumidores é sempre realizado por grupos locais que, geralmente, atuam nas periferias da cidade e comunidades onde habitam. Formado quase exclusivamente pela população urbana pauperizada, estes grupos se organizam nas chamadas quadrilhas, que podem estar vinculadas – ou não – a uma organização maior, caso frequente nas grandes metrópoles.

No Brasil, os casos mais conhecidos são os do Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando, no Rio de Janeiro, e do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo. Para garantir o monopólio e a segurança do comércio de drogas, as quadrilhas estabelecem fronteiras territoriais em que exercem seu domínio pela força das armas. Em caso de conflito com outros grupos rivais ou com a polícia, as comunidades se transformam em verdadeiros campos de batalha.

O controle de territórios inteiros é assumido pelos criminosos, que dominam inclusive a vida social da população, assumindo funções que normalmente são esperadas do Estado. Apresentado desta forma, este fenômeno passou a ser associado ao surgimento de uma espécie de “Estado paralelo”.

Complexas redes organizadas de grupos criminosos são capazes de mobilizar inúmeros indivíduos, financiar serviços comunitários, realizar obras de saneamento, promover atividades culturais, eleger representantes de bairro, angariar votos para determinados parlamentares, agenciar relativa “segurança pública” e, além de tudo, impor suas regras a toda uma comunidade sujeita a punições brutais no caso de transgressão destas “leis.

A extrema ousadia do tráfico dos morros do Rio de Janeiro ao abater um helicóptero da força Policial, trouxe à tona mais uma vez a problemática antiga, a ferida crônica de difícil extirpação, que é sem sombras de dúvidas, a questão do crime organizado, raiz do tráfico de armas, raiz do tráfico de drogas, raiz de todos os outros crimes subsequentes, raiz do aumento desenfreado da criminalidade, raiz da violência urbana, raiz do descrédito do povo na sua Polícia, no Ministério Público, no Judiciário, nas autoridades dos Poderes constituídos, nas Leis do Brasil que se mostram ineficazes para debelar esse violento e preocupante problema.

Os fatos altamente negativos e igualmente preocupantes para o País e para o nosso Estado Democrático do Direito, além de deixar a sociedade brasileira atônita fizeram o mundo ficar perplexo tal qual o tamanho da ousadia do tráfico que ultrapassou todos os limites imagináveis da sensatez.

Como “soldados” dispersos, irresponsáveis e insensíveis os componentes do tráfico expõem as suas armas pesadas para a mídia e atiram a esmo dos seus esconderijos em direção a quaisquer pontos da cidade, matando ou ferindo gravemente crianças, velhos e demais pessoas inocentes como se isso fosse a coisa mais normal possível. De tais crimes oriundos de “balas perdidas” nunca ninguém é encontrado ou responsabilizado, enquanto isso, as famílias das vítimas ficam destruídas, inconformadas e revoltadas para o resto das suas vidas.

Através do poder financeiro o tráfico se fortalece constantemente com os mais modernos e sofisticados armamentos existentes para atacar os seus opositores e se defender ou atacar a Polícia, para combater os outros grupos, para brigar pelos bons pontos de revenda da droga, para guerrear pelo controle dos morros de maiores rentabilidades de venda das drogas, para mostrar para a comunidade local e para a sociedade em geral o seu poder de fogo, a sua força, o seu poder paralelo e, cada vez mais ser respeitado e obedecido por todos.

Incursão no Jacarezinho

Esta foi a operação com o maior número de mortos dentro de uma comunidade, segundo a plataforma Fogo Cruzado. A Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu operações nas favelas durante a pandemia desde junho do ano passado, mas a Polícia Civil do Rio de Janeiro conseguiu uma autorização com o Ministério Público. A operação investiga o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas. A investigação apontou 21 suspeitos.

A realidade nua e crua, é triste realidade, que o tráfico de entorpecentes engrossa as suas fileiras com crianças e jovens que funcionam na organização criminosa como “aviões, fogueteiros, vigilantes, laranjas, informantes e até executores de crimes diversos.” Tais crianças e adolescentes na maioria das vezes, por total falta de opção, ingressam nesse mundo de crime e tem aquele “trabalho” como uma espécie de carreira profissional. Muitos sonham em ser o rei do morro. É o chefe do tráfico como herói da criançada que logo cedo tem nos reais fuzis, metralhadoras ou pistolas seus brinquedos prediletos.

A disputa entre quadrilhas rivais de traficantes, as facções criminosas, tendo contra estas a Polícia, no meio, como verdadeiro cego em tiroteio, o povo, o cidadão de bem e, na berlinda as chamadas milícias, fizeram do Rio de Janeiro uma verdadeira torre de babel. Os territórios não estão mais demarcados e os limites diariamente desrespeitados. As Policias Civil e Militar fazendo as vezes da Polícia Federal morrem nas favelas e nos morros do Rio de Janeiro combatendo contra armas e drogas importadas que entram pelas nossas fronteiras por intermédio do crime organizado.

Controle externo

A decisão liminar do ministro Fachin, confirmada pelo Plenário, determina a comunicação ao Ministério Público do RJ, responsável pelo controle externo da atividade policial, para que acompanhe as operações. Segundo Fachin, o acompanhamento é imprescindível, caso sejam absolutamente necessárias as incursões policiais nas comunidades durante a pandemia, “para não colocar em risco ainda maior população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária”.

O uso da força só é legítimo se for comprovadamente necessário para proteção da vida e do patrimônio de outras pessoas, e essa exigência de proporcionalidade decorre da necessidade de proteção ao direito à vida e à integridade corporal. Fachin lembrou que o uso inadequado da força já levou o Brasil a ser condenado em 2017 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por chacinas ocorridas na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão (RJ), em 1994 e 1995. São, portanto, extremamente rígidos os critérios que autorizam o uso legítimo de força armada por agentes de Estado. Esses critérios não podem ser relativizados, nem excepcionados, afirmou o ministro.

Novas políticas de segurança pública

Desde 1982, quando as eleições estaduais voltaram a ser disputadas de forma direta no Brasil, ainda em ambiente autoritário, o tema da segurança tem ocupado uma posição de destaque na agenda pública. Com a promulgação da primeira Constituição democrática brasileira, em 1988, criaram-se condições para uma ampla participação popular e removeram-se as barreiras tradicionais, que excluíam do direito ao voto a inúmeros segmentos da população. Dado o novo contexto político, as agendas públicas tornaram-se ainda mais sensíveis às demandas da sociedade. Sendo a segurança um item eminentemente popular – sem deixar de ser tema prioritário também para as elites e para as camadas médias – , impôs-se com mais peso à consideração dos atores políticos. O crescimento da violência criminal, ao longo da última década, reforçou essa tendência. Hoje, a questão da segurança é parte não apenas das preocupações estaduais, mas também dos municípios e governo federal, tornando-se uma das principais problemáticas nacionais, seja nas eleições, seja para além delas.

Hoje, o medo da sociedade não é ilusório nem fruto de manipulação midiática. O quadro nacional de insegurança é extraordinariamente grave, por diferentes razões, entre as quais devem ser sublinhadas as seguintes: (a) a magnitude das taxas de criminalidade e a intensidade da violência envolvida; (b) a exclusão de setores significativos da sociedade brasileira, que permanecem sem acesso aos benefícios mais elementares proporcionados pelo Estado Democrático de Direito, como liberdade de expressão e organização, e o direito trivial de ir e vir. (c) a degradação institucional a que se tem vinculado o crescimento da criminalidade: o crime se organiza, isto é, penetra cada vez mais nas instituições públicas.

Depois de tudo o que vimos sobre repressão, recuperando seu valor positivo, acredito que se compreendam as razões pelas quais consideramos equivocado e contraproducente esse pudor que só admite segurança adjetivando-a. Defendo a tese de que, ao contrário, o correto seria assumir o compromisso político para com a segurança pública, integrando nessa expressão todas as dimensões pertinentes, inclusive a repressão, como legítima e conforme à defesa dos direitos humanos. Essa a novidade política e esse o movimento criativo e arrojado que nos credencia a dirigir, politicamente, a sociedade também nessa área decisiva.

Não há chance alguma de que uma força conquiste a hegemonia sem que se credencie a assumir a liderança na condução do processo de construção da paz e da ordem pública democrática, por métodos legais e legítimos. Nós é que temos de resignificar “segurança” e “repressão”, na prática, nos programas e nos discursos, pois os novos significados que lhes atribuímos são aqueles para os quais reivindicamos o reconhecimento da sociedade como os únicos pertinentes e adequados ao Estado Democrático de Direito. Que os adversários da democracia qualifiquem segurança como truculência. Para nós, segurança significa estabilidade de expectativas positivas, compatíveis com a ordem democrática e a cidadania, envolvendo, portanto, múltiplas esferas formadoras da qualidade de vida, cuja definição insere dignidade e respeito à justiça, à liberdade e aos direitos humanos.

Um relatório divulgado pela Polícia Civil mostrou que o crime organizado atua em 1.413 comunidades do Rio. A informação foi divulgada pelo RJ2. Segundo informações, o tráfico comanda 81% desses territórios e a milícia 19%.
Apesar de não divulgar nomes, o documento identifica que a facção mais numerosa controla 828 favelas do Rio. Já a segunda maior, comanda 238, enquanto uma terceira cobre 69 localidades. No entanto, a milícia está presente em 278 comunidades.


Antonio Alexandre, RedeTV+ Artigo

 

 

 

 

 

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