Matéria publicada no Jornal do Brasil neste domingo, deflagra as zonas de comando do crime organizado no estado.
Segundo o professor e sociólogo Ignacio Cano, pelo menos um quarto da população (cerca de quatro milhões de pessoas) vive sob o domínio do crime organizado, ou seja, a democracia passa ao largo desses lugares que o IBGE costuma classificar como aglomerados subnormais. Para o professor de filosofia política Renato Lessa, a questão é tão delicada que vai comprometer o pleito como um todo. “Esse controle territorial, na prática, inviabiliza o regime democrático no Rio. Esse tipo de quadro no Rio se agravou tornando o problema irreversível não só para a eleição que se aproxima, mas também para as que estão por vir,” afirma.
Lessa diz que na eleição para governador os debates e a campanha na TV amenizam o problema, já que o crime organizado não tem como controlar esse tipo de voto. “Mas o fato é que as eleições para deputados estadual e federal, que vão aos lugares para pedir voto, a propaganda eleitoral é simplesmente impossível. Isso cria um problema incontornável à participação política. Os vereadores terão os mesmos tipos de problema nas próximas eleições”, avalia.
Renato Lessa diz que mesmo os políticos de esquerda não debatem o problema, que se torna cada vez mais sério à medida que a milícia se expande territorialmente.
Renato Lessa, que dá aula no Departamento de Direito da PUC, não vê perspectiva de melhoras pela inércia de diferentes atores da sociedade: “Não há força alternativa capaz de diminuir esse problema. A intervenção federal foi um fiasco, e os partidos políticos não levam a questão a sério”.
Lessa diz que nem sempre foi assim nos territórios da populaçao de baixa renda.
Lembra que, nos anos 1980, o então candidato ao governo do estado Leonel Brizola, embora fosse do campo da esquerda, teve uma votação expressiva na Zona Oeste e nas favelas. Foi nos anos 1990 que a apropriação territorial e da política por milicianos se consolidou como fenômeno.
Ignacio Cano, porém, diz que, apesar da expansão do crime organizado nos territórios do estado, o quadro eleitoral não mudará tanto das eleições passadas para a próxima: “A milícia se expandiu porque tirou do tráfico o domínio de algumas áreas. Mas mesmo onde havia tráfico antes não se podia fazer campanha, a não ser que o candidato tivesse a aprovação do próprio crime organizado”.
O que ocorre, diz o professor, é que no Rio de Janeiro há extensos territórios sem democracia não só no período eleitoral mas em todo o tempo. “O problema da ausência do estado democrático de direito nesse lugares é constante, independentemente de eleições. E a democracia é algo que vai além das eleições”, sustenta Cano.
Lessa, contudo, diz que e a eleição traz à superfície algumas questões gravíssimas. “A Justiça eleitoral, por exemplo, não tem recursos e pessoal para tornar possível a campanha política nesses territórios. E não vejo perspectiva disso melhorar. Infelizmente, é uma característica que pode ser classificada como permanente pela inércia para modificá-la”, diz Lessa. O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRERJ), desembargador Carlos Eduardo da Rosa da Fonseca Passos, já solicitou apoio às Forças Armadas para coibir a atuação de milicianos e traficantes nas eleições de outubro.
Vinícius George, delegado de Polícia Civil que atuou como um dos coordenadores da CPI da Milícia presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL), disse que o parlamentar teve dificuldades de ir à Zona Oeste fazer campanha justamente por seu nome ser associado ao combate à milícia. Ele conta que o cuidado na campanha de Freixo para prefeito do Rio em 2016 era sobretudo em relação aos moradores. “O residente que recebe um candidato como Freixo fica muito exposto numa comunidade dominada pela milícia. Por isso, sua campanha era em lugares maiores, como universidades. Ele nunca ia, por exemplo, à casa das pessoas, para fazer comícios domésticos.”
Para Vinícius George, o TRE, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal estão atentos à questão.“Mas a atuação da milícia recrudesceu, tornando o problema dos candidatos muito maior, numa campanha de curtíssimo prazo e com pré-candidaturas de milicianos”, disse Vinícius, explicando que não cita nomes para não atrapalhar investigações.
Por: ROGÉRIO DAFLON – Jornal do Brasil