Só nos Estados Unidos as vendas do produto movimentaram cerca de US$ 1.8 bilhão
O ato é quase mecânico. Você tira a tampa, gira o cilindro e passa na boca. Aperta um lábio contra o outro olhando ou não para o espelho, dependendo da destreza de cada uma. Pronto, você passou um batom. Atividade prosaica que mais da metade das brasileiras (52%) faz pelo menos uma vez ao dia, de acordo com dados da Euromonitor. Mas, na existência humana, isso não passa de um hábito recente.
As mulheres pintam o corpo das mais diferentes formas há milênios, mas só há cem anos um americano chamado Maurice Levy, que trabalhava numa empresa de metalurgia, teve a ideia de colocar a pasta colorida num tubo metálico e retrátil. Potinhos, dedos e pincéis foram aposentados, e a forma como as mulheres trabalham a imagem e a autoestima mudaram drasticamente. Como disse a escritora Mary Tannem ao “New York Times”, em 2001, “batons talvez sejam melhores que o (antidepressivo) Prozac”.
— Ele é sinônimo de maquiagem, sobretudo para a brasileira.
Apesar da efeméride, a pesquisadora e autora do livro “Histórias e conversas de mulher” (Ed. Planeta), Mary Del Priori, salienta que as fórmulas e cores para o rosto eram objeto de experimentos das mulheres desde a Idade Média.
— No final do século XVI, em toda a Europa, com o início da imprensa, havia livretos que ensinavam a preparar cosméticos. O chamado “rouge” era feito a partir de pau-brasil, cochonilha e raramente cinábrio, sempre adicionados à gordura de porco ou à cera de abelha — explica Mary. — No século XIX, no entanto, os ideais de beleza mudaram por causa do pensamento de que a mulher não podia interferir na obra de Deus. Se ela nasceu feia, assim ficava.
Mexer no que Deus criou colocava, principalmente, a honra em risco. Não à toa, o batom virou “coisa de puta”, “mulher da vida” ou qualquer outro sinônimo para a profissão mais antiga do mundo.
— Só as “suspeitas” ousavam colocar cor nos lábios e bochechas, e isso incluía as atrizes. As referências mudaram no início de década de 1910, com a popularização do cinema e as facilidades da invenção de Levy. Tudo isso representou uma transformação drástica no papel das mulheres na sociedade moderna — explica o historiador americano de moda Daniel Delis Hill, autor de “Advertising to the American Woman 1900-1999” (“Propaganda para a mulher americana 1900-1999”, em tradução livre).
Por causa disso, pense bem se sua primeira referência de beleza não é a mãe/tia/avó/irmã passando batom. É bem provável que seja. E o vermelho, dentro de todo o imenso universo de cores encapsuladas nos cilindros, é o que vem logo à cabeça. Associado à feminilidade, o tom é campeão de vendas de diversas marcas, apesar de no Brasil ter virado best-seller apenas recentemente.
— Aqui, a percepção e o consumo de maquiagem mudaram muito ao longo da última década. A boca vermelha gerava curiosidade, até mesmo marginalização, mas isso está acabando — reflete Fabiana Gomes, maquiadora sênior da M.A.C.
Para exemplificar a a popularidade do batom, ela gosta de citar o caso do Snob, um rosa-azulado da M.A.C., dificílimo de combinar com a maioria dos tons de pele.
— Em 2009, por causa de uma novela, foi uma febre de vendas. Todo mundo aderiu, mesmo que não ficasse bom. Isso mostra a força da maquiagem no nosso mercado e, principalmente, do batom.
BILHÕES POR ANO
A simplicidade e eficácia da sacada de Levy continuam tão grandes que, não à toa, grandes nomes da maquiagem estão estabelecidos no mercado tendo o batom como pilar principal. François Nars, por exemplo, começou seu império de produtos nos anos 90 com oito cores estrategicamente pensadas para o “cilindro mágico” de Levy.
Para ajudar as pesquisas sobre o vírus da Aids, a M.A.C., através da coleção Viva Glam, percebeu que, dentre todo o portfólio, apenas o batom poderia mobilizar o número necessário de consumidoras. Já o designer de sapatos Christian Louboutin, depois de lançar uma linha de esmaltes, percebeu que, para entrar na briga dos cosméticos, a principal arma é o batom — item que ele acaba de lançar no exterior.
Só nos Estados Unidos as vendas de batom movimentaram cerca de US$ 1.8 bilhão (número de 2014, segundo a Euromonitor). Resumo da ópera: num mercado de gigantes, quem sabe pintar os lábios é rei.
— Definindo ou reforçando os traços, esse cosmético é uma das forças motrizes que fazem a indústria da beleza girar na casa dos bilhões — diz Delis Hill.