Bairro na Região Serrana do Rio é disputado por quatro prefeituras

Municípios brigam até para assumir o cemitério de Vila do Pião, onde tem morador recebendo dois carnês de IPTU.

Quando a cabeleireira Vera Lúcia Medeiros faz uma selfie na janela de sua casa, aparece o nome de Sapucaia, cidade da Região Serrana. Se a foto for feita no salão de beleza, que fica bem ao lado, ela está em São José do Vale do Rio Preto. Vera vive na localidade de Volta do Pião, também chamada de Vila do Pião, fatiada entre quatro municípios fluminenses e disputada por três deles, que apresentam mapas e argumentos. Nem o cemitério público escapa do conflito. No meio do imbróglio, ficam os moradores. Alguns chegam a receber guias de IPTU de duas cidades. Mas, se sobra cobrança de impostos, faltam serviços públicos. Há quem tenha que capinar a rua onde mora, porque a prefeitura não faz a limpeza.

O debate esquentou, agora, por conta de um projeto de lei apresentado pelo deputado Marcus Vinícius (PTB), com pedido de urgência, incorporando o Pião a Sapucaia. O prefeito de São José, Gilberto Esteves, diz que não abre mão do que considera seu, e vai à Justiça se for preciso. Teresópolis é lacônica, mas assegura que não apenas um pedaço, mas a Vila, pertence ao município. Enquanto isso, o prefeito Breno José de Souza Junqueira alega que há mais de cem anos o Peão é de Sapucaia. Só Sumidouro promete não criar caso.

Temos um pedaço pequeno atrás de uma igreja, logo na descida da serra. Lá, têm apenas residências explica Álvaro Cardoso, secretário de Administração de Sumidouro.

Cortada pela BR-116, Pião fica entre os quilômetros 36 e 41 da rodovia, e tem como principal atividade o cultivo de hortaliças. Possui pelo menos seis mil moradores — na cidade falam no dobro e quase três mil eleitores.

Numa ação civil pública, o Ministério Público do estado cobra da Assembleia Legislativa que os limites do Pião sejam definidos por lei. Em 2011, um técnico do IBGE e morador de um distrito de Sapucaia, também foi à Justiça. Jorge Medeiros quer que seja feito valer uma lei estadual de 1943 (a 1.056), que delimitou os municípios do Rio. Alega que, nas emancipações, são mantidos os territórios dos antigos distritos.

Na sentença, em 2016, o juiz decidiu que Sapucaia deveria conversar com os outros municípios e devolver a parte que não é dela. Noventa por cento do Pião é de Teresópolis. Mas nada está decidido. São os votos que definem a política. Sapucaia administra o Pião por causa de dois mil e poucos votos. Estão pegando dinheiro de um município pobre para usar numa área que poderia estar gerida por uma prefeitura rica.

Um dos moradores mais idosos de Sapucaia, José Veiga, de 91 anos, 70 deles trabalhando na lavoura, apesar de dizerem que ele vive em São José, não quer saber de mudanças:

Aqui sempre foi Sapucaia.

A desordem também se estende para a eleição da Câmara de Sapucaia. Quatro dos 11 vereadores da cidade, tem residência em trechos do Pião que seriam dos outros municípios vizinhos: Rildo Rodrigues (Solidariedade), Tânia Paulino, Thiago Wermelinger e Nivaldo Lima (os três do PSC).

Há 45 anos moro na mesma casa. Era Sapucaia, e virou São José. Mas como? A casa não saiu do lugar.

Briga por cemitério
O prefeito diz que, pelo Registro de Imóveis, casas, sítios e fazendas do Pião são de Sapucaia. Sem falar na quase totalidade dos eleitores e do IPTU recolhido.

O único colégio municipal e o único posto de saúde no Pião são nossos. Acabei de liberar 600 kits de merenda para as crianças da escola, que estão em casa. Só Sapucaia arca com as despesas Este ano estou gastando lá de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões diz Breninho. Agora, o MP está me multando em R$ 168 mil, porque não resolvi o problema da água. Tenho R$ 4 milhões da Funasa presos, porque o Pião está dividido.

Breninho conta que, há alguns anos, foi feito um acordo de cavaleiros, e São José assumiu cemitério do Pião:

São José tomou o cemitério. Foi Sapucaia que construiu. Para enterrar lá, é preciso pagar R$ 600. Com a gente era de graça.

O prefeito de São José rebate:

O cemitério é nosso. Qualquer sepultamento tem taxa. Respeitamos as sepulturas perpétuas.

 Esteves acusa Teresópolis e Sapucaia de invadir um pedaço de São José:

Estou brigando pela parte que é minha. Só da BR-116 são dois quilômetros: o 37 e o 38. De ISS da estrada, são R$ 20 mil por mês. Se perder minha parte do Pião, perco dez quilômetros quadrados, 5% do meu território. Fico sem 5% da minha arrecadação de ISS, Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e ICMS da produção, que representam R$ 350 mil por mês. Sapucaia não tem hospital. Os moradores de lá são atendidos no meu hospital. A lei 1.255, de 1987, que criou o município, fixou os limites de São José conforme a legislação de Petrópolis, onde éramos o quinto distrito.

Enquanto permanece o impasse, moradores do Pião ficam perdidos.

A gente fica sem saber a quem pagar e cobrar lamenta Vera Lúcia.

A dona de casa Ileni da Rocha é outra que fica confusa:

Em 2019, recebi dois carnês de IPTU: de Sapucaia e São José. Em um estava escrito Rua do Colégio, São José. No outro, Rua Carmelo Raposo, Sapucaia. Rasguei o de São José e paguei o outro. Em 2020, recebi carnê de São José. Este ano a guia ainda não chegou.

Lucinéia Silva do Carmo não vê outra alternativa a não ser pegar no pesado:

— Não limpam a minha rua. Se eu não capinar, o matagal cresce. É uma loucura essa situação.

Dono do Auto posto Pinheiro, no Km 40,5 da BR-116, há 35 anos, Rogério Martins não imaginou que passaria por uma situação tão complicada. O terreno e o alvará do posto são de Sapucaia. Ao precisar renovar a licença ambiental e instalar novos tanques, conforme os padrões atuais, ao procurar a Secretaria do Meio Ambiente de Sapucaia, foi informado que teria que ingressar com o pedido em Teresópolis:

É muito jogo de empurra. Estou providenciando a papelada que me pediram. Há mais de um ano estou com os novos tanques comprados, esperando a licença.

Outras disputas
Disputas envolvendo limites costumam ser duradouras. A área do Habitat, por exemplo, é motivo de embate entre dois municípios. Três Rios alega que tem uma linha de ônibus e investe no lugar. Já Paraíba do Sul, tem como trunfo o fato de receber o FPM, repassado pela União.

Uma polêmia que deu o que falar e ainda persiste envolve o bairro de Maria Joaquina. Nesse caso, por trás da briga territorial há o repasse de royalties Com 15 mil moradores, o bairro foi anexado a Búzios, por lei, em 2017. No entanto, uma liminar, e, depois, uma decisão do Tribunal de Justiça do ano passado que considerou a lei inconstitucional, devolveram o bairro a Cabo Frio. Mas o movimento para que Maria Joaquina volte para Búzios será retomado.

Perdemos uma primeira luta, mas não desistimos. Vamos ver como podemos fazer para recorrer. De 70% a 80% dos moradores de Maria Joaquina têm título de eleitor em Búzios. A conta da água do bairro é de Cabo Frio. A de Luz, de Búzios. Por isso, podem comprovar residência onde quiserem afirma Flávio Campanha, que lidera o movimento pró Búzios.

Fonte: Jornal O Globo

Além disso, verifique

FRENTE FRIA E ALERTA PARA CHUVA E PODEM OCORRER RAIOS E VENTOS FORTES

A semana termina com a formação de uma frente fria em áreas do Sudeste. A …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *