Antídoto para política externa brasileira encontra-se no retorno a um realismo rigoroso.
Em seu clássico A política entre as nações , Hans Morgenthau, um dos maiores pensadores das relações internacionais do século XX, ensina: “O realismo sustenta que princípios morais universais não podem ser aplicados às ações dos Estados em sua formulação abstrata, mas precisam ser filtrados pelas circunstâncias concretas do tempo e lugar. O indivíduo talvez possa dizer para si mesmo Fiat justitia, pereat mundus Faça se a justiça, ainda que o mundo pereça, mas o Estado não tem o direito de dizê-lo em nome daqueles que estão sob o seu cuidado”.
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A lição de Morgenthau é indispensável ao Brasil de hoje. Durante os governos petistas, estivemos sob a ilusão de que a qualidade de nossa política externa decorria de seu crescente conteúdo ideológico. Esse idealismo progressista levou-nos a seguidos erros de avaliação do cenário internacional e ao desperdício sistemático de recursos. Encerrado o superciclo das commodities e esgotados os excedentes de poder que concedeu ao Brasil, pouco restou da diplomacia “ativa e altiva”, além de empréstimos que nunca serão pagos, escândalos em países amigos e a tênue miragem de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
O antídoto para semelhantes excessos encontra-se no retorno da política externa brasileira a um realismo rigoroso, centrado no interesse nacional. Precisamos nos ater aos fatos e “filtrar”, com objetividade e pragmatismo, todo idealismo abstrato, toda quimera ideológica. Semelhante lição deve ser aplicada tanto aos temas antes considerados de domínio exclusivo dos setores progressistas (ONU, meio ambiente, direitos humanos, integração regional, Brics) quanto às questões de interesse do novo conservadorismo (EUA, Israel, antiglobalismo). Sem esse filtro, corremos o risco de naufragar no oceano de nossas próprias ilusões.
A economia brasileira recupera-se, com dificuldade, da mais grave crise econômica da história republicana. Entre 2014 e 2016, o PIB per capita brasileiro caiu cerca de 10%. O número de desempregados superou os 14 milhões. Diversas empresas quebraram e a desindustrialização aprofundou-se. Nossa pauta exportadora perdeu complexidade e concentrou-se em um número relativamente pequeno de produtos e parceiros comerciais. As Forças Armadas foram debilitadas por seguidos cortes orçamentários, que afetaram o andamento de projetos estratégicos.
A infraestrutura de transportes, comunicações, energia, saneamento e saúde envelheceu e agora carece de vultosos investimentos. Mesmo os setores dinâmicos de nossa economia (petróleo e gás, mineração, energias renováveis, agronegócio) necessitam do aporte de capitais externos para se desenvolver plenamente.
Mais do que nunca, a política externa brasileira deve estar a serviço do país. Precisamos de estabilidade no front internacional, para ampliar nossa rede de acordos de livre-comércio, diversificar parceiros, aumentar exportações, atrair investimentos e capacitar tecnologicamente o parque produtivo nacional. Devemos evitar conflitos desnecessários e decisões precipitadas, que possam redundar em retaliações comerciais ou limitar nosso acesso a novos mercados e tecnologias sensíveis. É indispensável que as decisões de política exterior estejam baseadas em análise rigorosa dos custos e benefícios envolvidos. Temos a obrigação de defender os interesses de nossas empresas, o equilíbrio das contas externas e os empregos de milhões de brasileiros.
Vejamos um caso paradigmático. Em 2017, a China absorveu 21,8% de nossas exportações e tivemos um superávit bilateral de US$ 20,2 bilhões. Em 2018, os números são ainda melhores. Entre janeiro e outubro, a China absorveu 26,7% das exportações brasileiras, com um superávit de US$ 23,4 bilhões em nosso favor. O estoque de investimentos chineses no país é modesto, porém os montantes anuais vêm crescendo rapidamente.
Entre janeiro e junho, a China investiu US$ 1,34 bilhão no Brasil, com destaque para as áreas de energia e saneamento. Tais dados apontam para uma complementaridade estrutural entre as economias brasileira e chinesa. Se queremos evitar a exposição a um único parceiro, devemos fazê-lo dinamicamente, sem sobressaltos, mediante a conquista de novos mercados, a diversificação de nossas exportações e a atração de investimentos provenientes de outros países.
Ao eleger Jair Bolsonaro como o 38º Presidente da República, o povo brasileiro optou por um projeto objetivo de reconstrução nacional. Devemos agora trabalhar com afinco para reerguer a economia, criar empregos, garantir a segurança da população e promover um efetivo reaparelhamento de nossas Forças Armadas.
Teremos pela frente alguns anos de esforço concentrado no plano interno, antes de nos habilitarmos a um maior protagonismo na cena internacional. Nesse ínterim, a diplomacia brasileira deve preservar o patrimônio de credibilidade e as vantajosas alianças de nosso país, enquanto identifica oportunidades e constrói novas parcerias.
O momento requer profissionalismo e rigor no exercício da diplomacia. Ao estrelismo peripatético dos chanceleres petistas, urge contrapor o trabalho metódico de informação, análise e planejamento. Em toda iniciativa, deve-se ter como esteio o estudo profundo e a meditação de suas implicações para o interesse nacional. Um Itamaraty prestigiado e fortalecido no comando das negociações externas políticas e econômicas do Brasil será indispensável ao sucesso do governo Bolsonaro.
Em seu discurso de posse, o então Chanceler Azeredo da Silveira afirmou que a “melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”. Transcorridas quatro décadas, chegou o momento de novamente fazê-lo, com responsabilidade e pragmatismo — evitando as armadilhas ideológicas, que tanto prejuízo causaram ao país no passado recente. A prudência na condução da política externa é virtude necessária para que as relações do Brasil com o mundo possam contribuir, de modo efetivo e duradouro, para a melhora das condições de vida da população brasileira. Como ensina Morgenthau: “Uma boa política externa minimiza riscos e maximiza benefícios”.
Fonte: Época