Até adultos estimulam compras do brinquedo com diferentes coleções.
Milena Aversa se orgulha de ter conseguido o título de brasileira que completou mais rápido as coleções das minibonecas LOL nos grupos de Facebook e WhatsApp de que participa. Ela mantém em sua casa 240 bonequinhas, com cerca de sete centímetros cada, e seus adereços, como sapatinhos microscópicos, mamadeiras, bolsas e tiaras minúsculas. Considerando o preço médio de R$ 150 pelos quais as bonecas são vendidas, Milena já gastou R$ 36 mil desde setembro do ano passado. E não está arrependida.
Na verdade fiz a coleção para minha filha Agata, de 7 anos afirma ela, com a convicção de quem não quer se esquecer de que as minibonecas são para a criança da casa. — Mas realmente sou eu que cuido. Como o preço é alto, eu abri mão de muita coisa que queria para conseguir completar as coleções disse Milena.
As bonequinhas se tornaram uma febre mundial. Fabricadas pela MGA na China e representadas no Brasil pela empresa Candide, as pequenas menininhas vêm dentro de bolas que não revelam qual é a boneca. É uma compra no escuro, como a das figurinhas da Copa, só que bem mais cara. Quem compra precisa se desvencilhar de sete camadas de embalagens plásticas até chegar à boneca. Só então o dono vai saber qual das centenas de LOL existentes foi comprada. Com tantos modelos, há guias nas quais a consumidora assinala quais já foram compradas, como os álbuns de figurinhas, e as crianças são incentivadas a comprar cada vez mais bonecas para tentar completar as coleções.
Não à toa, Sara Cunha viu na dificuldade de completar as coleções e no crescimento do status de luxo emprestado às bonecas, por causa do preço alto, uma possibilidade de negócio
Conheci as bonecas pela minha filha Lia, de 8 anos. Comprávamos muitas repetidas. A cada caixa com 18 bolas que comprávamos, apenas três eram inéditas. Foi quando decidi passar a vender modelos fora da embalagem conta Sara, conhecida como a Rainha da LOL.
Desde novembro, quando a LOL virou seu ganha-pão, Sara contabiliza ter vendido pouco mais de dez mil bonequinhas. Sua renda mensal com o negócio é de cerca de R$ 15 mil.
A Candide, marca que traz as LOL para o Brasil, não revela números de venda ou faturamento obtido com os modelos. Bruno Verea, gerente de Marketing da empresa, diz que a boneca “é sucesso em todos os mercados em que foi lançada”. O brinquedo é desenvolvido nos Estados Unidos e fabricado na China. Segundo ele, a carga tributária brasileira é a responsável pelo alto valor das bonecas por aqui. Nos EUA, é possível encontrar bonecas LOL por US$ 9,99, cerca de R$ 36.
Para ajudar as filhas a completar as extensas coleções, muitas mães criaram redes para troca e também venda de modelos repetidos. Milena, por exemplo, é administradora do maior grupo de Facebook dedicado às miniaturas. Com receio de terem suas pequenas joias roubadas, elas preferem combinar as trocas caso a caso, em vez de fazê-las em grupo, como nos encontros para trocar figurinhas da Copa em shoppings e outros locais públicos.

Fiz muitas trocas com pessoas que conheci nas redes sociais. Isso também me possibilitou conhecer várias mães e fazer novas amigas conta Milena, que já fez várias viagens para o interior de São Paulo só para colocar as mãos em modelos raros de LOL.
Perguntada sobre o maior desembolso feito por uma delas, ela titubeou e preferiu não revelar o preço:
Meu marido não imagina o quanto gastei — justificou.
Falsificações no comércio popular
A valorização das bonecas, como seria de se esperar, rapidamente se popularizou e provocou uma onda de falsificações. Na Rua 25 de Março, coração do comércio popular de São Paulo, ambulantes e mesmo lojas vendem réplicas das bonecas bem mais baratas. Procurando bem, é possível pagar até R$ 10. O mesmo já se pode ver nos camelôs do Centro do Rio, na região da Saara.
Mas os ambulantes não conseguem enganar as colecionadoras, que dizem perceber “de longe” que a boneca não é original. Sara diz que a diferença, além da aparência, é que a “original tem o código da MGA nas costas e o nome da marca no queixo”. Por conta das réplicas, as mães não confiam no envio das bonecas de troca pelos Correios.
Vamos pessoalmente, assim não tem chance de receber uma cópia conta Milena.
Especialistas em comportamento infantil alertam para o risco de estimular o consumo desequilibrado em crianças com modelos de caráter colecionável que têm a surpresa como elemento de atração, como é o caso das bonequinhas LOL. Mariana Sá, cofundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo, destaca um fenômeno contemporâneo: os pais querem que os filhos estejam satisfeitos e completamente inseridos no grupo social. Como geralmente ficam muitas horas longe dos filhos no trabalho, podem ceder facilmente a pedidos recorrentes das crianças como forma de compensá-los e garantir de forma instantânea que se sintam felizes e incluídos.
Uma coleção deste tamanho é um estímulo da sociedade de consumo, da publicidade e do marketing, com o recente fenômeno do unpacking nas redes sociais diz Mariana.
Ela se refere ao ato de desembalar, numa tradução livre, cada vez mais presente nas redes sociais. Vídeos com unpacking geralmente trazem crianças ou adultos abrindo embalagens de brinquedos para revelar o que há dentro e as funcionalidades dos produtos.
A obtenção da satisfação e do prazer por meio do ato de adquirir e acumular objetos faz com que percamos a chance de exercitar outras fontes de prazer como brincar, as relações de amizade e as trocas viabilizadas pelos encontros. E até mesmo os conflitos com outras crianças alerta Mariana.
Fonte: Jornal O Globo
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